Um corredor negro. O silêncio é absolutamente asfixiante. Quase tão pesado como o suor que escorre da face ensanguentada da rapariga, pouco vestida, pouco preparada, mas demasiado aterrada. Só tem uma hipótese: seguir ou ser apanhada. Cada passo aumenta a tensão, a velocidade das cordas, a ansiedade. Chega ao fim do corredor, uma porta. Abrir a porta pressupõe, quase de imediato, perigo. Mas é a única chance. Com receio impresso em cada movimento, o obstáculo é movido e, para sua surpresa, nada. Silêncio. Depois, uma face absolutamente aterradora no ecrã, um barulho ensurdecedor e o pânico do espectador.
Se este cenário vos é familiar, então já estão minimamente preparados para a experiência de jogar Until Dawn, o mais recente título da Supermassive Games, exclusivo da PS4. Significa isto que é um bom jogo de terror – ou um bom jogo de todo? Pois, isso agora, só na análise abaixo. Deem as mãos e vamos caminhar por Blackwood.
Guião
A narrativa de Until Dawn, na sua base central, inspira-se nos filmes Slasher clássicos. Um grupo de amigos, nos seus vintes, faz uma partida a uma das raparigas do grupo, causando inadvertidamente a sua morte. Um ano depois, regressam todos ao local onde tudo aconteceu (que, por sinal, fica no meio de uma montanha abandonada durante um rigoroso Inverno), em Blackwood, a pedido do irmão da vítima, Josh. Daqui para a frente, algumas das escolhas tomadas podem alterar tudo ou nada o rumo da história, mas imaginem uma mescla entre Scream, Halloween, Friday the 13rd, Saw e Evil Dead. Como qualquer bom “filme” de terror, conta com plot-twists ao virar de cada esquina, personagens femininas com elevada sensualidade, personagens masculinas, por um lado, a transpirar testosterona, por outro, o mais nerd possível.
Contem com a habitual cena de quase-sexo. Só não contem é com um enredo acima do normal, em termos qualitativos.
A história é engraçada, o desenvolvimento é credível até certo ponto. Há um momento chave na narrativa que destrói a experiência, mais ou menos a meio do jogo. Isto acontece porque a ponte para ela é pouco credível e acaba por retirar o medo todo da experiência. O final, para mim, deixou-me com um extremo amargo na boca – não porque tivesse dado cabo de demasiadas personagens (Fiquei sem Matt, Josh e Ashley), mas porque acaba abruptamente.
Fica a sensação de que não tinham ideias de como fechar, criativamente, o final. As alternativas também não são nada de especial, ficando apenas consignadas à mudança de diálogos.
Gráficos
Os gráficos são muito próprios. Until Dawn vive, essencialmente, dos actores escolhidos e da capacidade com que transpõe os mesmos para uma realidade virtual, mantendo uma semelhança verosímil. Neste caso, o trabalho é excelente. Os actores são todos muito bem escolhidos (palmas para Rami Malek, para mim a sensação de 2015 com o excelente Mr. Robot), as vozes estão bem captadas, bem representadas, as emoções são palpáveis, tudo muito bom. O mais impressionante é o extensivo leque de emoções que as caras conseguem transmitir.
Este jogo puxa e bem pela máquina da PS4 relativamente às expressões faciais, o que causa um ou outro gaguejo. Nada de muito problemático e que atrapalhe, de alguma forma, a experiência. Toda a equipa de casting e de acompanhamento dos actores está de parabéns. Já a versão portuguesa, assemelha-se a um episódio das Winx. Ainda há um longo e sério caminho a percorrer nas dobragens para videojogos nacionais.
Relativamente a tudo o resto, não impressionam. É um jogo absolutamente banal.
Banda-Sonora
Este jogo tem uma banda-sonora, em tudo, cópia a papel vegetal dos mais que inúmeros filmes de terror. No bom e no mau. No mau, porque os agudos repentinos, os baixos sufocantes e os silêncios sem preparação são muitos e previsíveis. As cordas, tocando em stress a cada passo dado são também um caso geral da indústria. Mas o início do jogo… Bolas! Tal como o icónico Halloween, ficamos com a versão de Amy van Roekel do clássico do folk americano “O Death” na retina e, de forma saborosa, nos ouvidos. Faz lembrar as excelentes escolhas da banda-sonora da série “Walking Dead”, muito focadas no folk e na sonoridade mais country.
Jogabilidade
Jogaram Heavy Rain? Jogaram Beyond: Two Souls? Acharam que tinham pouca jogabilidade? Pois. Until Dawn trilha a mesma estrada. Contudo, e na minha opinião, afasta-se num ponto fulcral – a sua génese. Ao contrário dos primeiros, mais uma experiência interactiva do que um videojogo per se, Until Dawn vai buscar as suas raízes aos jogos de aventura point and click. Claro que não existem quebra-cabeças extremamente elaborados, ou uma míriade de itens para descobrir e gerir, mas as inúmeras conversas que se podem (e devem) ter com os restantes NPC’s acabam por incentivar a nossa sede de descoberta. Encontrar as inúmeras pistas que estão espalhadas pelo jogo traz também um gozo maior do que o esperado. Não estão muito escondidas, contudo o desafio não está em encontrá-las, mas sim em construir um fio condutor que nos explique o que raio está, afinal, a acontecer e o leit motif do (ou dos?) criminosos.
Atenção que este é o ponto de vista de alguém que nunca leu um livro da Agatha Christie ou do Sir Arthur Conan Doyle, pelo que os meus dotes de detective estão mais que enferrujados. O efeito borboleta, para vos ser honestos, deixou-me muito mal impressionado. Fui pesquisar as outras versões de playtrhoughs deste jogo, para apontar as diferenças com a minha. São mínimas, devendo-se apenas a diálogos diferentes e mortes diferentes. Nada de transcendente. A nível mecânico, a jogabilidade é extremamente simples. Movimentamos as personagens com o analógico direito, movemos a câmera com o esquerdo, interagimos com objectos com o R2.
Os restantes botões surgem apenas nos quick-time events. No pouco que faz, fá-lo bem? De vez em quando. Muitas vezes os personagens demonstram um caminhar demasiado lento e errático, tal como os movimentos com o analógico. Porém, nada que estrague o jogo.
Diversão
Ah, ah, ah, ah. Leiam isto com um som gutural, vindo do peito, qual Vincent Price no fim do Thriller, de Michael Jackson. Divertido é pouco, meus caros, divertido é pouco. Eu não sou muito fã da experiência dos filmes de terror sozinhos. Prefiro, sempre que tenho que ver um, fazê-lo em boa companhia. Assim, o possível arrepio com um olho arrancado a ferros torna-se, ao invés de arrepiante, divertido e cómico, até. Ainda assim, para este, não tinha ninguém disponível para me acompanhar. Portanto decidi que ia viver a experiência no seu total. Luzes apagadas, de noite, porta fechada, apenas a televisão e eu. 15 ou 20 minutos depois, o primeiro f***-*e, logo seguido do barulho do comando a voar das minhas mãos para o chão. Posso-vos dizer, sem medo nenhum, que da primeira vez que desliguei o jogo, fiquei seriamente a temer pela próxima vez que o tivesse de jogar.
Tive medo.
Pelo menos, durante a primeira parte do jogo. Como vos referi na secção do Guião, há um momento-chave na narrativa que destrói por completo o resto do jogo. O medo desaparece, sozinho ou acompanhado. Torna-se absolutamente banal e até um pouco absurdo, mas não no bom sentido. É pena, porque as primeiras horas do jogo, para os fãs do género, serão absolutamente deliciosas. Para os que vêem de vez em quando, como eu, epá – vai ser assustador como tudo, mas no fim poderão rir-se com isso. Acho. Eu ainda não me ri.
Conclusão
Os que me acompanham aqui no TecheNet sabem que tenho feito uma cobertura bastante alargada a Until Dawn, primeiro com a presença no evento de lançamento do jogo e depois com a entrevista a Will Bynes. Ganhei um carinho especial por este projecto, principalmente, pelo amor demonstrado por Bynes.
Honestamente? Acredito piamente que esta é uma primeira demonstração do que o género do terror tem a ganhar com este tipo de experiências. Until Dawn passava com muita facilidade por um qualquer filme de terror de Verão, e colocar nas mãos do jogador o destino das personagens cria um elo de empatia maior, ajudando-nos a emocionar mais do que num filme típico. Mas é um bom jogo? Se não vos fizer confusão a mudança repentina na narrativa, tudo muito bem.
Porém, para mim deu cabo do jogo. Quero, apesar de tudo, continuar a seguir o trabalho da Supermassive Games, porque há algo que se retira disto tudo – um desejo irrepreensível de inovar e quebrar barreiras. Não deixou de ser a primeira tentativa no género. Mas acabo, no fim deste texto, a lamentar que o brilhante demo de Hideo Kojima e Guillermo Del Toro nunca tenha passado disso, porque esse sim, prometia ser O jogo de terror.
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