A Câmara dos Comuns do Reino Unido votou a favor da legalização de uma técnica de fertilização que objetiva interromper a transmissão de defeitos genéticos das mães para os filhos. A decisão — que recebeu 382 votos favoráveis e 128 contrários — ainda passará pelo crivo da Câmara dos Lordes e por regulamentação junto às autoridades de saúde do Reino Unido antes de ter efeitos práticos.
Conhecida como substituição mitocondrial, a técnica de manipulação genética produz óvulos saudáveis através da remoção do DNA nuclear de uma célula sexual da mãe e posterior inserção deste em um gameta saudável de uma doadora, fertilizado, então, pelo esperma do pai. O método evita que mutações prejudiciais no DNA mitocondrial (mtDNA) da mulher sejam herdadas pelos filhos, neles provocando graves doenças.
Estima-se que 1 em cada 5 nascimentos seja afetado por condições relacionadas a danos no mtDNA materno, o único herdado pelos filhos. Assim, o resultado da votação parlamentar “[é] uma grande notícia para as pacientes com doenças mitocondriais”, assevera Doug Thurnbull, neurologista da Universidade de Newcastle que lidera a campanha pela permissão do uso da técnica.
Mulheres portadoras de defeitos no seu mtDNA podem sequer sofrer quaisquer danos relacionados a tais problemas no decorrer de suas vidas. Entretanto, mutações perigosas no material genético das mitocôndrias, organelas responsáveis por fornecer energia às células, podem levar ao desenvolvimento de síndromes nos órgãos que consomem mais energia, como cérebro, coração e músculos.
No último dia 28 de janeiro, em carta veiculada no periódico New England Journal of Medicine, pesquisadores da Universidade de Newcastle concluíram que cerca de mais de 2 mil mulheres do Reino Unido, que possuem mutações prejudiciais no DNA mitocondrial, possam se beneficiar da nova técnica e ter filhos saudáveis.
Apesar de o país estar em vias de ser o primeiro a aprovar a substituição mitocondrial, a medida ainda depende da aprovação da Câmara dos Lordes (que provavelmente não irá divergir da Câmara dos Comuns), e a lei resultante dos debates no legislativo deverá entrar em vigor apenas em outubro deste ano. Além disso, as clínicas que desejarem realizar o procedimento precisarão buscar a autorização do órgão regulador das terapias de fertilidade, a Autoridade de Fertilização Humana e Embriologia (HFEA), e esta, por sua vez, exigirá mais evidências de que a técnica é segura.
Em linhas gerais, a oposição ao uso do método considera a possibilidade de que ele seja utilizado para a criação de indivíduos geneticamente desenhados pelos pais e médicos para apresentarem determinadas características, como a melhor capacidade esportiva, por exemplo. Outro receio ético se baseia na geração de filhos contendo material genético de três pais.
Outras técnicas de fertilização estruturadas de modo a evitar a herança de material genético mitocondrial defeituoso foram propostas. Uma delas, a modificação de ovócitos, foi analisada há cerca de um ano por uma comissão da Food and Drug Administration (FDA), órgão do governo dos Estados Unidos responsável pelo controle sobre os medicamentos e alimentos (entre outros) disponíveis neste país, que ainda bane terapias de manipulação de mtDNA. Espera-se que a aprovação no parlamento do Reino Unido e a divulgação de um novo relatório elaborado pelo Instituto de Medicina (organização que aconselha a FDA) provoque maiores discussões e, por conseguinte, concessões a essas terapias nos EUA.
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