Quanto tempo há entre uma bela paisagem, uma pessoa amada ou uma delicada flor e os olhos de quem as admira? A pergunta soa vaga, dúbia (uma hipálage, talvez), afinal, quando pensamos naquilo que nos separa de algo ou alguém, pensamos em termos de espaço, não de tempo.
O que, então, poderia nos responder quanto tempo existe entre nossos olhos e o universo que nos rodeia? A Ciência!
Toda vez que vemos alguma coisa, abrimos uma janela no tempo. Os olhos capturam a luz refletida ou emitida (no caso de uma estrela, por exemplo) pelos objetos, luz esta que não viaja instantaneamente de um ponto a outro no espaço, embora sua velocidade seja absurdamente alta: 299.792.458 metros por segundo (no vácuo). Assim, mesmo que um observador tenha um objeto a meros milímetros de seus olhos, olhando para ele terá uma visão do passado, pois a luz refletida pelo objeto levará uma fração infinitesimal de um segundo para atingir as pupilas do observador.
Sabendo-se que a luz captada pelos nossos olhos leva algum tempo para viajar depois de refletida por aquela paisagem, pessoa ou flor às quais me referi no início, quanto tempo há entre estes e a fonte emissora da luz? A nossa principal fonte luminosa é o Sol, situado a quase 150 milhões de quilômetros da Terra. A energia luminosa do astro-rei leva, portanto, aproximadamente 8 minutos e 19 segundos para chegar ao nosso planeta.
Porém, a luz não viaja apenas no vácuo enquanto percorre seu caminho do Sol até os objetos presentes no nosso planeta, muito menos enquanto viaja destes até nossos olhos. Na verdade, a atmosfera e a água, por exemplo, reduzem a velocidade da luz; além disso, a temperatura e a pressão (afora outros fatores) desses meios produzem diferenças na velocidade da energia luminosa.
Ao atravessar a atmosfera terrestre, a luz passa por diversas camadas, cada qual com características de temperatura e pressão peculiares, de onde podemos concluir que, para que a luz deixe o Sol, seja refletida por um objeto e chegue aos nossos olhos, são necessários os 8 minutos e 19 segundos mais o tempo que ela leva para atravessar a atmosfera (ou qualquer outro meio), mais a fração de segundo que, como já vimos, existe entre objeto e observador aqui na Terra.
Não nos esqueçamos, todavia, que a luz não é necessariamente produzida na superfície do Sol. No núcleo da estrela, uma fornalha de 15 milhões de graus Celsius colide partículas do plasma, transformando átomos de hidrogênio em hélio. O resultado da fusão nuclear é a produção de fótons, partículas que se comportam como ondas eletromagnéticas. A luz visível é o resultado das centenas de milhares de anos da batalha dos fótons, continuamente emitidos e reabsorvidos no interior da estrela, até que se livram do astro e são enviados ao espaço com energia inferior àquela da qual foram dotados na reação que lhes deu origem.
Os olhos dos animais da Terra captam diferentes bandas de energia dos fótons. Nós humanos, por exemplo, não conseguimos criar imagens a partir de fótons cuja energia seja superior — ultravioleta —àquela que produz a cor violeta, tampouco a partir de ondas eletromagnéticas de energia inferior à responsável pela cor vermelha — infravermelhas. Aliás, a própria definição de “cores” nos nossos cérebros é uma adaptação ao espectro da luz que enxergamos, sendo cada cor uma representação da luz útil para nossa sobrevivência.
Agora, entre um observador regado pela luz natural e uma paisagem ou pessoa, existem também as centenas de milhares de anos de luta dos fótons gerados no interior do Sol somados ao tempo de viagem destes até a Terra, ao da travessia da atmosfera, etc.
Apesar da longa e impressionante jornada, os fótons se tornam particularmente importantes quando nos ajudam a navegar pelo ambiente que nos rodeia. Os elétrons de um objeto apenas absorvem fótons de energia idêntica à necessária para levá-los a uma órbita mais distante — e energética — do núcleo atômico. Quando não são absorvidos, mas refletidos pela matéria e alcançam nossos olhos, os fótons são absorvidos por proteínas sensíveis à luz, que alteram o potencial elétrico das membranas das células fotorreceptoras ali presentes. A partir daí, uma cascata de processos eletroquímicos transforma as ondas eletromagnéticas de diferentes conteúdos energéticos em íons que são canalizados pelas células nervosas carregando informações — impulsos nervosos — que o cérebro transforma no sentido que chamamos de visão. (No caso da audição, as vibrações sonoras são transformadas em impulsos nervosos no interior dos ouvidos.)
Uma flor só se torna flor quando a cognição cerebral reconhece o amontoado de impulsos visuais como tal.
O processo de entrada da informação eletromagnética e sua transcrição na visão requer menos de um segundo, o que devemos adicionar para sabermos quanto tempo há entre uma pessoa amada, flor, ou paisagem e os olhos de quem as admira.
Por enquanto, trabalhamos com distâncias relativamente curtas. E quanto aos fótons gerados por estrelas dos confins da Via Láctea, ou mesmo em outras galáxias?
Estima-se que a Via Láctea tenha 120 mil anos-luz de diâmetro, o que significa que a luz emitida por um objeto em um extremo da galáxia levará 120 mil anos (viajando a cerca de 300.000 m/s) para chegar à outra extremidade, uma imensa janela no tempo. Caso olhemos para o centro da Via Láctea, veremos o que se passava na região há 27 mil anos, pois a distância aproximada do nosso sistema solar até lá é de 27 mil anos-luz.
Já na imagem ao lado vemos a galáxia de Andrômeda, a galáxia espiral mais próxima da Via Láctea. Um observador situado em algum dos planetas dessa galáxia que olhasse na direção da Terra não veria sinais da existência humana, uma vez que a luz do Sol refletida pela Terra levaria mais ou menos 2,54 milhões de anos para chegar a Andrômeda e os seres humanos (Homo sapiens) evoluíram há “apenas” 200 mil anos.
Andrômeda é apenas uma das trilhões de galáxias que existem no universo e, conforme a distância em relação a nós aumenta, maior é a janela temporal que abrimos ao observá-las. Essa é a perspectiva cósmica, a noção de que algo nos conecta a tudo o que existe no universo, quer os fótons, quer os átomos. Ademais, estamos biologicamente conectados a todos os animais, vegetais, vírus e bactérias terrestres pelo DNA e pelo RNA, cadeias moleculares que deram origem à complexidade da vida como a conhecemos via seleção natural.
Aquela radiação eletromagnética que faz os namorados suspirarem quando olham um para o outro em uma manhã ensolarada saiu da caldeira atômica de uma estrela, debateu-se no plasma estelar, viajou milhões de quilômetros, foi transformada em impulsos visuais e — ufa! — assimilada pelos cérebros dos apaixonados.
Na jornada descrita resumidamente neste artigo, desvendamos o espaço em termos de tempo com o auxílio inestimável de estudos e descobertas científicos que, caso o autor tenha conseguido, aumentaram o apreço do(a) leitor(a) pela natureza e aguçaram sua curiosidade e seu desejo de conhecer (talvez um desassossego, como adora a Menina Digital).
Por outro lado, citando o astrofísico e escritor Neil deGrasse Tyson,
“se você se sente deprimido após ser exposto à perspectiva cósmica, começou seu dia com um ego injustificavelmente grande”.
Na perspectiva da ciência, o universo se apresenta como uma montanha: cada passo que escalamos, ou seja, cada fenômeno que desvendamos, nos conecta mais aos demais seres vivos e a tudo o que existe; diante da montanha jamais tremamos — fascinemo-nos pela realidade.
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Este artigo é uma homenagem ao amigo aniversariante Rodrigo Moreti.
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