De todas as propostas apresentadas pelo Marco Civil da Internet, aprovado pela Câmara dos Deputados nesta terça-feira (25), uma das mais polêmicas e significativas é a “neutralidade da rede”, um dos pilares fundamentais do projeto que tem gerado alguma confusão.
Os defensores da proposta explicam que sem a neutralidade, não é possível garantir a todos os cidadãos o direito de livre acesso à internet. Por parte dos provedores de internet, a reclamação é a de que a “neutralidade” como proposta na lei acabará por encarecer o acesso à web.
Contudo, o Marco Civil defende que não deve haver “pedágios” na internet. Com isso, nenhuma empresa poderá criar barreiras para algum tipo de conteúdo partindo de qualquer tipo de interesse financeiro. Para facilitar o entendimento sobre o tema, tem sido utilizado como exemplo comparativo os planos de TV por assinatura, nos quais o cliente contrata pacotes de serviços. Deste modo, sem a nova legislação, se as operadoras decidissem cobrar R$ 30 mensais para acesso a e-mails, mas vetando o acesso a YouTube, Netflix e Skype, que consomem muito mais banda, isso seria permitido.
Para as empresas, a neutralidade total “mata” a possibilidade de oferecer pacotes mais acessíveis. Por outro lado, os defensores do projeto garantem que a não-aprovação seria uma medida “antipopular” e que criaria ainda mais exclusão social, impedindo que os mais pobres tivessem acesso aos serviços mais caros.
“Mas isso ainda não existe, então como funcionará na prática o Marco Civil ?”
Embora o exemplo dado acima seja um tanto exagerado, não é um cenário impossível! Já há outras maneiras menos invasivas que sendo praticadas na internet brasileira. A mais conhecida é o “traffic shaping” (“modelagem de tráfego”), que permite o gerenciamento da banda que o utilizador recebe, tem em conta diversos critérios.
A empresa responsável pelos serviços de internet pode restringir a velocidade que o utilizador pode atingir ao fazer downloads via torrent ou outros protocolos P2P. Contudo, isso também poderia ser feito para favorecer parceiros comerciais.
Imagine-se que existem dois sites, o GPI (Grande Portal de Internet) e o PNTP (Portal não tão popular). Enquanto o GPI é endinheirado, o PNTP passa por uma crise e não tem tantos recursos financeiros. Sem que haja “neutralidade”, nada impede que o GPI pague à operadora para garantir que os seus utilizadores acessem o site com velocidade máxima, prejudicando quem tenta acessar o PNTP, que acaba por sofrer prejuízos em vários níveis graças à lentidão da conexão. Em crise, e sem poder arcar com esta despesa extra, a tendência é que seus utilizadores acabem migrando para a página que na qual consigam acessar com mais facilidade.
Parece um cenário exagerado, mas nos Estados Unidos essa já é uma realidade: a Netflix, por exemplo, já está precisando fechar acordos com provedores de internet para que seus utilizadores consigam acessar seu conteúdo sem que a sua conexão seja prejudicada
“Mas o Marco Civil prevê alguma exceção à neutralidade?”
Sim e não. A lei não deixa brechas para que as empresas possam realizar alguma das ações citadas acima por conta própria, mas deixa espaço para que o Governo abra exceções em caso de “requisitos técnicos indispensáveis à prestação adequada dos serviços e aplicações” e “priorização a serviços de emergência”.
Este ponto foi um dos mais polêmicos do projeto, já que a redação inicial previa que as exceções a esta regra seriam reguladas por decretos presidenciais. Para os partidos de oposição, isso era considerado um poder excessivo. Exatamente por isso, após muitas negociações, ficou acertado que possíveis decisões necessitariam da participação direta da Anatel e o CGI.br.
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