Cientistas acompanham com entusiasmo os últimos momentos de uma imensa nuvem de gás espacial conforme esta se aproxima do buraco negro supermaciço situado no centro da Via Láctea. A observação da iminente “refeição” deve dar aos pesquisadores uma perspectiva aprimorada da evolução dessa sorte de buracos negros.
Em 2011, estimou-se que o destino da nuvem espacial G2 fosse a morte no buraco negro Sagitário A*. Devido à raridade do evento, diversos cientistas têm acompanhado a trajetória do corpo gasoso enquanto ele sofre os efeitos da intensa gravidade do buraco negro, capaz de “espaguetificar” — estreitar e afinar — um objeto, fazendo com que este assuma forma semelhante à do espagueti, apesar de manter seu volume.
Stefan Gillessen, pesquisador do Instituto Max Planck de Física Extraterrestre (na Alemanha), e sua equipe, os responsáveis pela descoberta da rota de colisão da nuvem de gás — cuja massa aproximada equivale a três vezes a da Terra — com o buraco negro, previram que o encontro fatal se daria no final de março de 2014. Tanto a nuvem quanto o buraco negro que, por sua vez, tem a massa de 4 milhões de sóis, têm sido monitorados pelo mesmo grupo em diferentes comprimentos de onda desde então.
Invisível aos olhos destreinados
O Sagitário A* (ou simplesmente Sgr A*) é visualizado através dos efeitos gravitacionais que surte sobre as estrelas que se encontram nos seus arredores; ademais, em 2013, a missão Swift de detecção de erupção de raios gama verificou a explosão mais brilhante já vista no buraco negro em questão, provavelmente gerada pela acreção de matéria. Daryl Haggard, pesquisadora da Northwestern University em Illinois, afirma que a explosão mencionada não parece estar ligada à nuvem G2, mas a nuvem de gás pode dar origem a fenômenos semelhantes.
Em relação à possível detecção de raios-X no encontro entre G2 e Sgr A*, “[a]té agora”, diz Haggard, “não há sinal da interação [com a] G2”. No entanto, Gillessen ressalta que o objeto está sendo acelerado e modificado pela turbulência provocada pelas forças de maré oriundas do buraco negro supermaciço, efeitos que começaram a ser detectados em alguns comprimentos de onda.
Gillessen compara o processo atravessado pela nuvem a um trem cuja parte traseira se move mais devagar do que a dianteira: a frente da G2 (região mais próxima ao buraco negro) passa a se mover com mais rapidez do que o restante do gás, ao mesmo tempo em que a gravidade atinge com mais força justamente a área frontal — algo “não muito saudável”, pondera.
Evolução
Sabe-se que os buracos negros supermaciços crescem através do acúmulo, ou acreção, de matéria, mas a periodicidade das refeições necessária para seu contínuo crescimento ainda não está clara. Os pesquisadores esperam que a interação da nuvem de gás com o Sgr A* os ajude a compreender melhor o processo.
Segundo Haggard, existem três hipóteses: (i) um buraco negro pode se alimentar vorazmente e crescer por um tempo, “descansando” antes da próxima caçada; (ii) o buraco cresce como uma criança ou adolescente, interrompendo o processo definitivamente; (iii) ele cresce indefinidamente. Esta última hipótese tem sido descartada, pois, se crescessem incessantemente, os buracos negros supermaciços identificados seriam muito maiores do que realmente são (ou outros, maiores, teriam sido observados).
Ocorrida, na verdade, há 25 mil anos (dada a distância que a luz leva para viajar do centro da galáxia até a Terra), a interação entre G2 e Sagitário A* é insuficiente para aumentar significativamente a massa do buraco negro, mas pode fornecer pistas quanto aos fenômenos que ocorrem nos núcleos de outras galáxias, além de se tratar de um evento extremamente raro de ser observado no decurso de uma vida humana.
“Nós não projetamos experimentos com muita frequência na astrofísica”, diz Haggard, celebrando o experimento em tempo real a ser proporcionado pela nuvem gasosa.
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