“Bom dia, caro ouvinte! Está no ar mais uma edição do seu Jornal da Manhã, com as principais notícias do mundo, antes mesmo do seu café da manhã. Começaremos hoje com…”, reverberava aquela voz estridente com a qual habituara-se a acordar. Noutra altura, talvez aquele locutor e a sua euforia matinal, um clássico das manhãs jornalísticas das rádios de antigamente [claramente a mais para quem já labutava desde muito cedo] a deixasse mal disposta logo cedo. Noutra altura, talvez. Naquela manhã, certamente não! É que já há muito a Menina ansiava por este dia: o equinócio de primavera chegaria também como um marco pessoal este ano. Já não tarda e seria tempo de reflorescer.
Preparava-se para sair da cama e saudar mais aquele dia, quando uns versos de uma antiga canção tomou-lhe de assalto, fazendo-a reviver algumas das suas melhores recordações, do tempo bom em que do alto da sua meninice tinha que se preocupar tão somente com a cruel escolha entre um picolé de manga ou de pitanga:
“Você me pergunta
Pela minha paixão
Digo que estou encantada
Como uma nova invenção
Eu vou ficar nesta cidade
Não vou voltar pro sertão
Pois vejo vir vindo no vento
Cheiro de nova estação
Eu sinto tudo na ferida viva
Do meu coração”
[…]
Consta que quando criança, aguardava a chegada da primavera como quem aguarda a chegada de um parente que há muito já não via. Pensava sempre que, por isso, enfeitavam sempre a cidade com as flores mais coloridas e perfumadas que aquela gente já tinha posto os olhos. “Devem mesmo gostar muito desta tal, Prima Vera…”, matutava sempre que via as ruas da cidade vestirem-se de flores. Todo os anos era a mesma coisa: a mesma expectativa, a mesma satisfação em ver flores tão sortidas a colorir o caminho.
À medida que foi crescendo, como toda criança, a sua inocência de menina foi desvanecendo entre uma agrura cotidiana e outra. Aos poucos foi percebendo que, por mais que esperasse, por mais que desejasse ver a mulher de vestido florido e perfume de jasmim [que ideia que continha o seu imaginário]… Esperava em vão. Afinal, a tal “prima” nunca chegava. “Crescer não é moleza, mãe! Quem inventou isso de ser gente grande só pode ter sido por que não teve infância”, resmungava a Menina. Esperar, definitivamente, nunca fora o seu forte. Queria tudo para ontem. Vivia sempre com a urgência de quem só tem o agora.
[…]
Era nos dias mais agrestes, em que a dureza de ser gente grande a empurrava para a realidade, que a Menina ia buscar nas mais doces memórias de infância coragem para encarar a vida de frente, “como gente grande, mãe!”. Mas era também em dias menos doces que percebia que não havia mal algum em recorrer a tais recordações e que ser criança [mesmo tendo forçosamente que ser gente grande] era uma capacidade para poucos. “Quem dera no mundo houvesse mais gente assim… GRANDE!”.
Sentido-se uma privilegiada por ainda ser capaz de ver o mundo através dos olhos da Menina que, vez em quando, se permitia ser, saiu mundo à fora, apreciando as flores que lhe enfeitavam e caminho… à espera da PrimaVera.
CAssis, a Menina Digital
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