Físicos anunciaram ontem (17 de março) a descoberta da primeira evidência direta da inflação cósmica, uma expansão extraordinariamente rápida do universo ocorrida uma fração de segundo após o Big Bang, há 13,8 bilhões de anos.
Uma equipe de pesquisadores liderada por John Kovac, do Harvard-Smithsonian Center for Astrophysics, observou uma distorção na luz emitida pouco depois do Big Bang, conhecida como radiação cósmica de fundo em micro-ondas, o que configura o primeiro retrato que temos de ondulações que atravessam o universo, as ondas gravitacionais, previstas pelo físico Albert Einstein (como parte da sua teoria da relatividade geral) em 1916.
Plano de fundo cósmico
As descobertas foram possíveis através do experimento Imagem de Fundo da Polarização Cósmica Extragalática 2 (Backgroung Imaging of Cosmic Extragalactic Polarization 2 — doravante BICEP2), realizado no Polo Sul, região onde o ar seco e frio fornece excelentes e constantes condições de visualização, entre janeiro de 2010 e dezembro de 2012. O BICEP2 utiliza 250 minidetectores de polarização da luz para analisar variações da radiação cósmica de fundo em um pequeno pedaço do céu.
Tal radiação de fundo permeia todo o céu e foi emitida apenas 380 mil anos depois do Big Bang. Antes disso, o universo era composto por um plasma muito quente e denso que impedia a livre passagem dos fótons. No entanto, assim que o ambiente se resfriou ao ponto de possibilitar a formação de átomos neutros, a luz escapou e se tornou a radiação cósmica de fundo em micro-ondas, inicial e acidentalmente observada em 1964 por Arno Penzias e Robert Wilson. Ambos foram laureados com o Prêmio Nobel de Física em 1978 pela descoberta de que essa radiação se tratava de uma marca dos primórdios do universo.
Durante o estudo, o BICEP2 observou um padrão de polarização denominado polarização primordial B-mode. Este padrão, basicamente definido como um enrolamento da orientação da luz, só pode ser criado por ondas gravitacionais produzidas pela inflação cósmica. Chao-Lin Kuo, cientista da Universidade Stanford que projetou o detector BICEP2, compara esta alteração na orientação da luz a um “padrão espiralado no céu”. Kuo acrescenta que os pesquisadores encontraram evidências definitivas da inflação, além de terem captado a primeira imagem das ondas gravitacionais no espaço.
A força das evidências fez com que a equipe de estudo atrasasse a divulgação da descoberta por mais de um ano. Os dados obtidos pelo BICEP2 eram muito contundentes, o que levou os pesquisadores à desconfiança e à busca por uma série de possíveis explicações. A confiança nas observações veio somente depois do desenvolvimento de um novo experimento, o Keck Array, que chegou aos mesmos resultados. O físico teórico Alan Guth, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, foi quem primeiro previu a inflação, em 1980, e acredita ser altamente provável que as conclusões se sustentarão, pois “eles fizeram um trabalho de análise incrivelmente bom”.
Energia da inflação
Os teóricos da inflação cósmica propõem que o universo passou de um estado de meras flutuações quânticas a um tamanho macroscópico em uma fração de segundo. O fenômeno teria feito com que a expansão do espaço tenha sido mais veloz do que a própria luz (ideia que não se opõe à teoria da relatividade geral, segundo a qual nada pode se mover mais rápido do que a luz, uma vez que a inflação é a expansão do próprio espaço).
Mapeamentos celestes, como os feitos pela missão WMAP, da NASA, e pelo telescópio Planck, da ESA, haviam revelado que a radiação cósmica de fundo possui um padrão de temperatura praticamente uniforme, ou seja, com variações muito pequenas, fator que parece apoiar a ideia de inflação. “O porquê de a temperatura da radiação cósmica de fundo em micro-ondas ser a mesma em diferentes pontos do céu seria um mistério, se não fosse pela inflação dizer ‘bem, todo o nosso céu veio desta região minúscula'”, afirmou Chuck Bennett, principal pesquisador da WMAP, no ano passado.
Portanto, a linha lógica que a teoria estabelece é a de que a gigantesca expansão do universo gerou as ondas gravitacionais que, por sua vez, produziram a polarização B-mode. Daí a importância de encontrar a polarização na luz da radiação de fundo.
A investigação do BICEP2 concluiu que o valor de r, a razão das flutuações das ondas gravitacionais na radiação cósmica de fundo provocadas por perturbações na densidade da matéria, é mais alto do que os valores verificados por outras equipes. Um número tão elevado — 0,20, em contrapartida a um valor ligeiramente inferior a 0,11 encontrado pelo telescópio Planck, por exemplo — pode significar que a inflação começou antes do que o previsto por alguns modelos teóricos: um trilionésimo (bilionésimo, no português europeu) de trilionésimo de trilionésimo de segundo depois do Big Bang.
O momento exato em que ocorreu a inflação, então, dá aos físicos uma ideia do nível de energia em que o universo se encontrava durante o processo inflacionário. O valor de r do BICEP2 sugere que a escala de energia em questão ainda unia todas as forças da natureza (eletromagnetismo e forças nucleares forte e fraca), à exceção da gravidade, em uma grandeza única, hipótese conhecida como Teoria da Grande Unificação.
“Não é todo dia que você acorda e descobre algo completamente novo sobre o início do universo”, diz Marc Kamionkowski, pesquisador da Universidade John Hopkins que não se envolveu no estudo atual, embora tenha previsto como as marcas deixadas pelas ondas gravitacionais poderiam ser encontradas, em 1997. Para ele, o estudo poderá render o Prêmio Nobel aos cientistas.
Kovac sabe que os próximos meses serão cruciais para a confirmação ou refutação dos resultados obtidos por sua equipe, mas reconhece que isto faz parte do processo científico, e que “será divertido e interessante” acompanhar o exame detalhado do seu trabalho a ser realizado pelos seus pares.
Fontes: Scientific American, LiveScience
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