Nada era mais insensato que o amor que nutria por ele. Logo ela, sempre tão dada ao acaso, insistia em adormecer ao som da mesma cantiga de amor ausente. Aquilo que trazia tatuado no peito era uma profusão dos mais variados tipos de saudade. Saudade dos poemas de amor que estrategicamente eram deixados debaixo do travesseiro, para que fossem interceptados logo ao despertar [e ela sempre os encontrava!]. Saudade dos beijos que lhe eriçavam a pele, enquanto ainda sorvia cada palavra indelevelmente desenhada nos pequenos pedaços de papel colorido [e ele sempre a beijava!]. Saudade da deflagração dos abraços febris, prólogo das longas sessões de amor ardente [e eles sempre se amavam!].
“Dois corpos não carecem de mais do que da fugidia linguagem dos sussurros“, escrevera ele ainda outro dia. E de tão vívida que era esta memória que a fez chorar… de saudade! Era pura insensatez deixar-se levar por tais memórias, remoendo e revivendo, assim, a cumplicidade de outrora. Isso tudo por que, em meio aos seus guardados, encontrara naquela manhã o baú que continha um precioso tesouro [vestígios de um amor vivido em desmesura]. Cartas de amor, livros dedicados, bilhetes de viagens, devaneios a dois, fotografias e outros pedaços de vida sendo consumidos pelo mofo no fundo da gaveta dos seus segredos. Era março e os dias de sol vinham anunciar que, já não tardava muito, seria primavera outra vez. A Menina, por sua vez, limitou-se a saborear aquelas memórias, “lendo” aqueles pedaços da sua história. Primeiro com alguma pressa, como se quisesse pôr logo um fim aquele momento. Mas quando deu por si, já o fazia mais lentamente, como quem quer captar o sentido concreto de cada lembrança.
E como uma louca tempestade, a saudade entranhara-se peito a dentro, fazendo com que, entre sorrisos e lágrimas, a Menina revisitasse aquele que havia sido o passado dos dois. E já lá ia tanto tempo desde que o vira pela última vez… Tinha saudade de serem dois corpos num só. Sentia-o, ainda. Eram dois corpos mas que falta uma das metades.
E naquela manhã quase primaveril, aninhada no sofá perto da janela, por aqueles breves instantes em que remexia os seus guardados, reviveu mentalmente aquele amor [que insensatez!]. E do auge da inevitável saudade, companheira inexorável dos amores ausentes, disse em voz alta, como quem envia uma mensagem ao Cosmos: “Tenho comigo a tua recordação, meu bem, e isso já me basta!”.
CAssis, a Menina Digital
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