O degelo do Ártico muda a rotina da fauna local e impõe novos riscos à preservação das populações terrestres e marinhas habituadas àquele ambiente. Mamíferos marinhos como a foca-anelada, por exemplo, têm procurado novos locais de acasalamento e para a criação dos filhotes. Mas agora, especialistas dizem que um novo perigo ronda as vidas desses animais: doenças que eles nunca haviam enfrentado.
Regiões do Ártico sem gelo já servem como rota de transmissão de uma nova espécie de parasita, o Sarcocystis pinnipedi, que se move para o sul enquanto infecta focas-cinzentas — tendo matado cerca de 20% de uma população dessas focas em uma única ilha. A informação foi divulgada por pesquisadores na reunião da Associação Americana para o Avanço da Ciência (AAAS) em 13 de fevereiro.
Outros parasitas, como o Toxoplasma gondii (causador da toxoplasmose), geralmente encontrado nas fazes dos gatos, estão se dirigindo para o norte e infestando belugas, também conhecidas como baleias-brancas. Michael Grigg, chefe de parasitologia molecular do Instituto Nacional de Doenças Alérgicas e Infecciosas em Maryland, conclui que as mudanças climáticas são “uma oportunidade sem precedentes para os patógenos se mudarem para novos ambientes e causarem novas doenças”.
Grigg diz que o toxoplasma é um agente infeccioso comum a todas as espécies de vertebrados de sangue quente, porém, ele só foi encontrado em uma população de belugas do Mar de Beaufort, ao norte do Canadá, a partir de 2006. Mas, em primeiro lugar, como o toxoplasma chegou ao Ártico? Não há consenso, mas suspeita-se que as populações humanas locais o tenham introduzido através dos gatos domésticos, cujas fezes contaminadas entraram em contato com a água.
Matar o T. gondii não é tarefa das mais simples, uma vez que pô-lo na água sanitária (lixívia) ou em uma solução de ácido sulfúrico não é suficiente. O pesquisador conhece duas maneiras de nos livrarmos do toxoplasma: fervê-lo ou congelá-lo. Aí surge um problema. Com o reduzido número de dias em que a temperatura do Ártico fica abaixo da necessária ao congelamento, aumenta a chance de o parasita sobreviver no ambiente até chegar a um hospedeiro.
Nova doença
O desaparecimento do gelo tem feito com que as focas-cinzentas (Halichoerus grypus) entrem em contato com as aneladas (Pusa hispida). De acordo com Sue Moore, oceanógrafa da Administração Oceânica e Atmosférica Nacional dos Estados Unidos (NOAA), temperaturas oceânicas mais quentes levam peixes de água fria, como o bacalhau e o capelão, a se refugiarem mais ao norte. As focas-cinzentas seguem o fluxo do seu alimento e acabam encontrando as focas-aneladas.
Com ambas se alimentando dos mesmos peixes, o parasita S. pinnipedi pode se mover do seu hospedeiro habitual — a foca-anelada — para a foca-cinzenta, que nunca o havia encontrado. Como resultado, em 2012, descobriu-se que o S. pinnipedi tinha sido culpado pelas mortes de 406 focas-cinzentas em Hay Island, Canadá. Dentre as mortas, apenas duas eram adultas, o que levou Grigg a se preocupar com o futuro reprodutivo da população, que conta, ao todo, com cerca de 2 mil focas.
Geralmente, este tipo de micro-organismo se replica no interior de um hospedeiro até que passe a formar cistos, o que lhe permitirá invadir seus próximos alvos. Entretanto, segundo Grigg, o parasita age como um câncer no organismo das focas-cinzentas. Nos fígados delas, o parasita apenas se replica, até que o órgão seja destruído; de fato, as necrópsias dos filhotes mortos em Hay Island constataram que seus fígados se deterioraram completamente em decorrência da infecção.
As focas-aneladas não têm o mesmo destino, pois desenvolveram evolutivamente a capacidade de coexistir com o S. pinnipedi.
Com o intuito de compreender o ciclo de vida do S. pinnipedi, os cientistas estão coletando fezes de focas-aneladas e de seus predadores, os ursos polares. Porém, para Grigg, nada podemos fazer para impedir o avanço desses patógenos, e todas as espécies afetadas terão de aprender a conviver com eles.
No caso das focas-cinzentas, ele complementa, pode ser que se passem uma ou duas décadas até que os animais desenvolvam algum tipo de imunidade contra o novo parasita. “[P]or fim”, afirma, “chegaremos a algum equilíbrio”.
Fonte: National Geographic
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