Mais um ano havia passado sem que pousasse novamente os pés na terra que a viu nascer. E longe, muito longe do calor dos trópicos, testemunhara outro amanhecer gélido e chuvoso, algo tão corriqueiro na terra que acolhera a Menina e os seus sonhos. Nunca fora muito dada aos números [menina feita de prosa e poesia], mas naquela manhã, antes mesmo de deixar o aconchego das suas cobertas, deu por si a fazer contas.
– “Caramba! E lá se foi mais um ano! UM ANO INTEIRINHO!”, resmungou baixinho, como se tentasse manter em segredo aquela dura realidade.
Um ano. Doze meses. Trezentos e sessenta e cinco dias. Oito mil, setecentas e sessenta horas. Quinhentos e vinte e cinco mil e seiscentos minutos. Trinta e um bilhões, quinhentos e trinta e seis mil segundos… Apercebendo-se de que eram números a mais, e que nunca fora Menina de cálculos ou equações matemáticas, desistiu das contas e optou por relembrar quanta vida havia vivido no decorrer de mais esta jornada.
Lembrou-se logo do enorme amor que vira nascer sob o signo de aquário e desvanecer antes mesmo do seu primeiro aniversário. Foi, então, que a Menina chorou as suas últimas lágrimas no ano da graça de dois mil e treze. Mas como era de costume, logo vestiu um novo sorriso, relembrando as incontáveis vezes que sentira o acelerar dos batimentos cardíacos só de ouvir a voz do eleito. “Viver é correr riscos!” era o lema que trazia tatuado na alma. E era com gosto que encarava o delicioso e inevitável risco de estar viva… todo santo dia!
Não tardou muito até que a nostalgia fizesse mais um pouso forçado no peito dEla, pobre Menina. Era suposto contar os minutos que faltavam para o findar de mais esta jornada do lado de lá do Atlântico, sob os cuidados dos seus. Sonhara tantas vezes com esta noite, vestida de branco e flores para ofertar. Era dada a crendices populares e não recusava uma reza forte. Fora sempre assim! E pular as suas “sete ondas” em solo tupiniquim era a regra. Já se jogar ao mar quente que banha a sua terra era a exceção. Ainda assim, sonhara muitas e muitas vezes no decorrer do ano prestes a acabar com o banho ao som dos cânticos à Rainha do Mar.
– “Melhor maneira de lavar a alma não há!”, costumava dizer a Menina a quem ousasse repreendê-la por suas peculiares tradições de fim de ano.
Era certo que estando do lado de cá do oceano, onde as ondas geladas do Atlântico vêm brincar, a Menina não poderia jamais se dar ao desfrute de pular ondas ou mergulhar ao som das cantigas do seu povo. Contudo, veio à memória um verso de um dos poemas favoritos, ensinados pela velha professora da sua infância: “É dentro de você que o Ano Novo cochila e espera desde sempre”.
[…]
E lá foi a Menina. Numa das mãos, levava sonhos. Na outra, carregava uma flor [“Branca, por favor!”]. No peito, o velho coração de sempre repleto de desejos bons. Seguiu rumo ao D’Ouro, por que destino de rio era mesmo desaguar no mar. E todo mar desaguava nEla [Odoyá, Iemanjá!]. Fez, assim, a sua singela oferenda. Entoou mais uma solitária oração. Agradeceu por estar viva e, acima de tudo, pela fome de viver. Desejou que o Ano Novo viesse logo e que fosse servido em porções fartas [em prato fundo, como na casa da avó] e que o pudesse devorar às colheradas.
CAssis, a Menina Digital
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