Percebera naquela manhã que tinha as unhas roídas como já há muito não via. “Sinal explicito de uma insegurança temporária, algo trivial numa balzaquiana em crise”, diria o seu analista freudiano. Mas a Menina, como era de costume, trazia consigo uma alma bordada de sonhos e um coração inquieto que insistia em pulsar, dia após dia, mesmo que por vezes dissonante, dentro daquele velho peito.
Percebera naquela manhã que tinha as unhas roídas como já há muito não as tinha. “Sinal explicito de uma insegurança temporária, algo trivial numa balzaquiana em crise”, diria o seu analista freudiano. Mas a Menina, como era de costume, trazia consigo uma alma bordada de sonhos e um coração inquieto que insistia em pulsar, dia após dia, mesmo que por vezes dissonante, dentro daquele velho peito.
Enquanto esperava o assobiar da chaleira, a indicar que o chá estava pronto para ser degustado, pensamentos avulsos desaquietavam aquela pobre alma. Percebera logo que, talvez, fosse dia de faxinar os pensamentos, arrumar guardados, dedicar poesias, escrever romances. Por alguns breves instantes, analisou seriamente a ideia de tatuar no pulso esquerdo, com caligrafia muito própria da sua infância, a palavra que resumia um estado [temporário!] de espírito – cinco vogais que se encaixavam harmoniosamente noutras sete consoantes: DESASSOSSEGO!
E, embora a angústia fosse a cantiga entoada naqueles dias gélidos de outono, a Menina nunca fora de se deixar abalar pelos reveses do destino. Ao contrário, costumava vangloriar-se da destreza com que dava a volta nas brincadeiras de gosto duvidoso com que os deuses costumavam testar-lhe a paciência. Decidiu por no papel o que lhe vinha à alma. Optou por deixar um registo para a posteridade daqueles dias em que a ausência de um amor distante entristecia o seu sorriso. Papel e caneta na mão, concatenou ideias de amor:
“Amado meu,
Se ainda te escrevo, é por que a saudade insiste em fazer morada neste velho peito. Se insisto em te fazer lembrar de nós e das incontáveis vezes que nos perdemos um no outro, é por que ainda não aprendi a te esquecer, nem tão pouco sei como desaprender a ler-te em mim. Sabes bem que, desde sempre, li em ti todas as palavras que faltavam no meu romance.
Escrevi-te em mim, meu poeta travesso, com tipografia de amor. Coisas simples e corriqueiras. Palavras inquietantes, lidas em tom de soneto. Vinícius. Drummond. Leminski. Já perdi as contas dos poemas imaginários que escrevi em ti, meio sem querer, quase sem razão. E razão pra quê se, desta feita, sigo [co]movida pelo inebriante e ensandecido desejo de voar voos intermináveis, inconfundível sentimento?
Assinei teu nome em mim, em forma de literatura de cordel, numa ode particular ao dono dos meus dias – TU! Faltou-me papel e tinta para a vontade gigante que tenho de escrever prosa na tua poesia. Se pudesse, Caetaneava-te todo. AGORA! Futuro do presente do indicativo. Conjugava-te à exaustão. Palavra. Sinônimo. Adjetivo. Gramática. És tu o meu verbo!”
A verdade é que, depois de reler uma tantas vezes aqueles escritos de amor, faltava coragem à Menina para selar aquela carta e remetê-la ao seu destinatário. Mas romântica por natureza e sonhadora incorrigível que era, achou por bem não engavetar aquelas ideias todas. Jogou-as ao sabor do vento, num desejo incontido de que, mais cedo ou mais tarde, caísse nas mãos certas. E que arrancasse sorrisos e suspiros… fosse nas mãos de quem fosse!
CAssis, a Menina Digital
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