A teoria dos jogos é fundamental para o desenvolvimento das criptomoedas e foi uma das razões pela qual o Bitcoin foi capaz de prosperar desde há mais de uma década, apesar de todas as tentativas de destruição da sua blockchain.
Mas… o que é realmente a Teoria dos Jogos (“Game Theory”)? Neste artigo adaptado da Binance Academy, tentamos dar resposta a esta questão e perceber um pouco melhor esta ideia que faz mover o mundo das criptomoedas.
Essencialmente, a teoria dos jogos é matemática aplicada usada para estudar o comportamento humano baseado em decisões tomadas de forma racional. Nela, o “jogo” é concebido como um ambiente de interação, no qual os jogadores tendem a agir racionalmente quando respondem às suas regras ou à influência e interação de outros participantes.
O conceito tem origem na Economia e serve para investigar padrões comportamentais nos negócios, mercados e consumidores. A ideia é a de que jogos teóricos podem ser usados como uma ferramenta para examinar o potencial comportamento de agentes em interação (bem como os possíveis resultados das suas ações) sob determinadas circunstâncias. Os modelos também são aplicados em estudos abrangentes sobre política, psicologia e filosofia.
O Dilema do Prisioneiro
Já ouviu falar do “dilema do prisioneiro”? É o exemplo mais popular de um modelo simples de teoria dos jogos. Ele pode ser ilustrado através de um cenário onde dois criminosos (A e B) estão a ser interrogados após terem sido presos. Cada um é interrogado em salas separadas e não têm permissão para interação mútua.
O detetive tenta convencer cada um deles a testemunhar contra o outro a fim de reduzir as suas penas, o que nos leva a vários cenários possíveis: se A testemunhar contra B, ele fica livre e B vai preso por 3 anos (e vice-versa); se ambos testemunharem um contra o outro, serão presos durante 2 anos cada; finalmente, se decidirem não confessar e ficarem os dois calados, serão condenados a 1 ano de prisão por falta de provas.
Portanto, teríamos os possíveis resultados (com base nas decisões individuais de cada um):
(B) trai o parceiro | (B) fica calado | |
(A) trai o parceiro | Os dois presos por 2 anos. | (A) livre. (B) preso por 3 anos. |
(A) fica calado | (B) livre. (A) preso por 3 anos | Ambos presos por 1 ano. |
Claramente, o melhor cenário para A (ou B!) é trair o parceiro e ser libertado, mas para isso seria necessário que o outro fique calado e não existe nenhuma forma de prever qual decisão ele tomaria. Ao depararem-se com uma recompensa vantajosa, vários prisioneiros racionais provavelmente escolheriam agir em favor do seu próprio interesse e trair o parceiro. Acontece, contudo, que se ambos cometessem traição, ficariam os dois anos na prisão – e essa não é a melhor opção! A melhor saída para os dois, em conjunto, seria ficarem calados e receber apenas um ano de prisão em vez de dois.
O dilema do prisioneiro tem muitas variantes, mas esta história simples ilustra bem a ideia de usar teoria de jogos para investigar o comportamento humano e possíveis resultados com base nos seus processos de tomada de decisões.
Teoria dos Jogos e Criptomoedas
Quando aplicado às criptomoedas, o modelo de teoria dos jogos tem uma importante função, e é usado para desenvolver um sistema económico seguro e fiável, tal como o Bitcoin. A criação desta criptomoeda pioneira como um sistema Byzantine Fault Tolerance (BFT) é o resultado de uma mistura harmoniosa entre criptografia e teoria dos jogos.
O uso da teoria dos jogos no contexto das criptomoedas deu início ao conceito de criptoeconomia (um conceito que abordaremos num próximo artigo), que é basicamente o estudo da economia nos protocolos blockchain e as potenciais consequências que o desenho desses protocolos pode apresentar, em resultado do comportamento dos seus participantes. Ele também considera o modo de agir dos “agentes externos” que não fazem parte do ecossistema, mas podem eventualmente entrar na rede só para tentar causar danos internos.
Por outras palavras, a criptoeconomia examina o comportamento dos nodes (nós) numa rede, baseando-se nos incentivos proporcionados pelo protocolo, considerando as decisões mais prováveis e racionais.
Já que a blockchain do Bitcoin foi desenhada como um sistema distribuído – com vários nós em diferentes locais – ela precisa de se basear no acordo desses nós quando se trata da validação de novos blocos e transações. Contudo, esses nós não são capazes de ter confiança (“trust”) entre si. Então, como pode tal sistema evitar atividades maliciosas? Como pode uma blockchain precaver-se contra nós desonestos?
Uma das mais importantes características da rede Bitcoin que protege o sistema de atividades maliciosas, é o algoritmo de consenso Proof of Work (PoW – ou “prova de trabalho”). Ele aplica técnicas criptográficas que tornam o processo de mineração muito caro e exigente, criando um ambiente muito competitivo. Assim sendo, a arquitetura das criptomoedas baseadas em PoW incentiva os mineradores a agir de forma honesta – quanto mais não seja para que não arrisquem a perder os recursos investidos! Pelo contrário, qualquer atividade maliciosa é desencorajada e rapidamente punida. O nós de mineração que apresentarem um comportamento malicioso provavelmente perderão muito dinheiro e, logo de seguida, serão expulsos da rede. Consequentemente, a mais provável e racional decisão a ser feita por um minerador é de agir com honestidade e manter a rede segura.
Conclusão
A aplicação comum da teoria dos jogos consiste em modelar e examinar como é que os seres humanos se comportam e tomam decisões com base nas suas mentes racionais. Desta forma, devem sempre ser considerados modelos de teoria dos jogos na conceção de sistemas de redes distribuídas, como é habitual na maioria das criptomoedas.
Graças a uma combinação equilibrada de criptografia e teoria dos jogos, o algoritmo de consenso PoW foi capaz de tornar a blockchain do Bitcoin num sistema descentralizado e altamente resistente a ataques.
O mesmo é verdade para outras criptomoedas, já que o conceito de teoria dos jogos também pode ser aplicado a redes blockchain que fazem o uso do algoritmo de consenso Proof of Stake (PoS – ou “prova de participação”). A principal diferença entre os dois é a forma como as redes baseadas em PoS organizam as suas transações e validações de blocos.
Contudo, temos sempre que ter presente que o nível de segurança e confiança que uma blockchain possui depende muito do seu protocolo e está diretamente relacionada com o seu número de participantes. Ou seja, as grandes redes distribuídas são mais fiáveis do que as de menor dimensão.
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