O parlamento britânico está a considerar uma nova legislação que poderá alterar significativamente a forma como as crianças e adolescentes utilizam os telemóveis. A proposta, apresentada por um membro do Partido Trabalhista, visa proibir o uso de smartphones nas escolas e aumentar a idade mínima para o consentimento de utilização de dados pessoais por redes sociais.
Esta iniciativa surge num contexto de crescente preocupação com o impacto dos dispositivos móveis na saúde mental e no desempenho académico dos jovens. O movimento “Smartphone Free Childhood”, inspirado no livro “The Anxious Generation” de Jonathan Haidt, tem ganho força no Reino Unido, defendendo que os pais adiem a aquisição de smartphones para os seus filhos até, pelo menos, aos 13 anos.
Detalhes da proposta de lei
A nova proposta de lei, embora ainda em fase inicial, pretende implementar duas medidas principais. Primeiro, tornar legalmente vinculativa a proibição de telemóveis nas escolas. Segundo, elevar a idade mínima para o consentimento de utilização de dados pessoais por empresas de redes sociais dos atuais 13 para 16 anos.
Josh MacAllister, o parlamentar responsável pela proposta, argumenta que estas medidas podem proteger as crianças de características viciantes presentes nas redes sociais. Ele defende que a criação de versões de aplicações e smartphones específicas para menores de 16 anos facilitará a desconexão e o envolvimento em atividades do mundo real.
Contexto atual no Reino Unido
O Departamento de Educação do Reino Unido já recomenda que as escolas proíbam o acesso a telemóveis durante todo o dia escolar, incluindo intervalos e hora de almoço. Uma pesquisa realizada pelo think tank Policy Exchange revelou que 99% das escolas secundárias já têm alguma forma de proibição de telemóveis. No entanto, apenas 11% exigem que os alunos deixem os dispositivos em casa ou os guardem no início do dia.
Esta nova proposta surge após a aprovação da Lei de Segurança Online em 2023, que visa proteger as crianças de certos tipos de conteúdo online. No entanto, a maioria das disposições desta lei ainda não entrou em vigor.
Perspetivas dos especialistas
Apesar do apoio político à proposta, alguns especialistas em tecnologia e educação expressam reservas quanto à eficácia destas medidas. A professora Sonia Livingstone, da London School of Economics, que estuda o impacto das tecnologias digitais nos jovens, alerta para a falta de evidências científicas sólidas sobre os efeitos das proibições de smartphones nas escolas.
Livingstone argumenta que, embora haja indícios de que impedir o acesso aos telemóveis possa melhorar a concentração, é mais difícil afirmar que isso leva a menos bullying ou mais brincadeiras. Ela sublinha que a investigação nesta área é insuficiente e que as proibições de smartphones são frequentemente vistas como uma solução simples para problemas complexos.
Abordagens alternativas
Pete Etchells, professor da Bath Spa University e autor do livro “Unlocked: The Real Science of Screen Time”, defende uma abordagem diferente. Em vez de focar em proibições, ele sugere que os legisladores deveriam pensar mais sobre como ensinar as crianças a ter relações mais saudáveis com a tecnologia e responsabilizar as empresas tecnológicas.
Etchells argumenta que é necessário melhorar o design das tecnologias digitais e apoiar as pessoas na compreensão de como usá-las de forma adequada. Ele alerta contra narrativas simplistas, como assumir que restringir o tempo de ecrã levará automaticamente a mais brincadeiras ao ar livre.
Lições de outros países
A experiência de outros países pode oferecer insights valiosos. Por exemplo, a Coreia do Sul implementou em 2011 uma lei que proibia crianças de jogar jogos online entre a meia-noite e as 6 da manhã. Após quatro anos, verificou-se que a proibição não teve um impacto significativo no uso da internet ou nas horas de sono. A lei foi revogada em 2021.
Este caso demonstra que as soluções aparentemente simples para questões complexas relacionadas com o uso de tecnologia por crianças e adolescentes podem não produzir os resultados esperados.
Desafios na implementação
A implementação efetiva destas medidas, caso sejam aprovadas, apresentará vários desafios. As escolas terão de adaptar as suas políticas e práticas, enquanto as empresas de tecnologia poderão necessitar de desenvolver novas versões das suas aplicações para cumprir os requisitos de idade.
Além disso, será crucial garantir que estas restrições não impeçam os jovens de aceder aos benefícios potenciais dos smartphones e das redes sociais, como o acesso à informação e oportunidades educativas.
Enquanto o debate sobre o uso de smartphones por crianças e adolescentes continua, fica claro que não existe uma solução única para os desafios apresentados pela tecnologia digital. A proposta de lei no Reino Unido representa uma tentativa de abordar estas questões, mas a sua eficácia e implementação prática ainda estão por ser determinadas.
À medida que a sociedade continua a navegar neste território complexo, será fundamental encontrar um equilíbrio entre proteger os jovens dos potenciais riscos da tecnologia e prepará-los para um mundo cada vez mais digital.
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