A Inteligência Artificial (IA) é indiscutivelmente a novidade tecnológica mais disruptiva dos nossos tempos. O ritmo acelerado com que as empresas de tecnologia incorporam a IA nos seus produtos e serviços criou uma verdadeira ‘corrida ao ouro’ que atrai investimentos colossais, elevando ao mesmo tempo, receios sobre os desafios que esta tecnologia acarreta.
Embora a evolução da IA abra inúmeras possibilidades, a sua crescente centralização sob o domínio de corporações poderosas suscita inquietações legítimas. Se o lucro for o guia para a definição das regras e da ética da IA, podemos estar a caminhar para cenários que afetam não só os direitos individuais, mas também a nossa liberdade.
Empresas líderes: benefícios e influência
Gigantes tecnológicos como Microsoft, Google e Meta são protagonistas dos últimos avanços na IA. Com recursos quase ilimitados, investem fortemente em parcerias e desenvolvimento interno, obtendo benefícios massivos deste poderoso aliado. No entanto, o historial das empresas tecnológicas no que respeta à utilização dos nossos dados deve ser motivo de apreensão. Será que podemos confiar de olhos fechados nos líderes atuais?
Os avanços da IA generativa podem parecer meteóricos, mas as suas sementes foram plantadas há muito tempo. O filósofo canadense Marshall McLuhan profetizou, na década de 1960, uma era onde a informação poderia ser disponibilizada de forma instantânea e personalizada. É claro que McLuhan não poderia antecipar a internet nem a vastidão dos dados com que os modelos de IA são treinados hoje em dia.
Sistemas como o GPT, DALL-E e o Bard alcançaram um nível de sofisticação impensável há poucos anos. Contudo, é importante lembrar que, para chegarem onde chegaram, foram necessárias quantidades astronómicas de dados – os mesmos dados pessoais que fornecemos diariamente de forma tantas vezes descuidada.
Ética e IA: um dilema real
O conceito de “treinar” modelos de IA à base de dados humanos conduziu a inovações incríveis. Geoffrey Hinton, cientista informático e pioneiro do deep learning, foi uma das figuras desta evolução. As técnicas que contribuiu a desenvolver ajudaram a criar sistemas capazes de chegar a conclusões por via da deteção de padrões. Infelizmente, Hinton tornou-se também num vocal crítico da potencialidade destruidora da IA nas mãos erradas.
A manipulação sem o nosso conhecimento é uma ameaça muito real com a proliferação dos sistemas de IA. Quando a ética e a moralidade entram em conflito com os lucros, a história oferece poucos exemplos de autocontenção por parte das corporações. Na atual ordem mundial, o poder parece destinado a ficar, cada vez mais, nas mãos de quem detém as ferramentas mais poderosas de IA.
O próximo passo: Inteligência Artificial Geral
A Inteligência Artificial Geral (AGI, na sigla em inglês) é vista como o próximo passo importante. Ao contrário da IA tradicional, focada na identificação de padrões, a AGI será capaz de entender ideias complexas e aplicar um raciocínio autónomo. Esta autonomia traz inúmeros benefícios potenciais, mas também uma série de desafios: até que ponto poderemos distinguir uma AGI avançada de um ser humano inteligente? Será que os gigantes da tecnologia serão capazes de manter o controlo?
Empresas como a OpenAI, por exemplo, têm levado os limites da investigação ainda mais longe, mas nem a própria companhia parece totalmente tranquila com o poder libertado pelo avanço da IA. O facto de Sam Altman, o CEO da OpenAI, ter sido afastado temporariamente — numa manobra possivelmente ligada a receios internos face às capacidades disruptivas da IA — ilustra a gravidade destas preocupações.
Riscos, preocupações e um olhar crítico
Os dados fornecidos pelos utilizadores estão a ser, em larga escala, utilizados contra as próprias pessoas: para fomentar sentimentos de raiva e de indignação (altamente valorizados pelo marketing atual), manipular comportamentos de consumo e influenciar decisões que impactam as nossas vidas individuais e a sociedade como um todo. Este problema ganha contornos assustadores na era da IA.
Com os modelos de IA a tornarem-se cada vez mais omnipresentes na nossa vida, o risco de se tornarem num ‘Cavalo de Troia’ de vigilância e controlo é significativo. Se não for controlado, não sabemos qual será o estado da democracia dentro de alguns anos. O potencial uso abusivo da IA constitui uma verdadeira ameaça e deve ser acompanhado com atenção.
Um futuro imprevisível
As empresas tecnológicas não podem continuar a desenvolver as suas inovações em segredo e apenas esperar pela reação das entidades governamentais e da sociedade civil. O modelo de “jogar primeiro e reagir depois” não servirá se queremos controlar de forma responsável os caminhos da inteligência artificial. A ética e a moralidade têm de nortear cada avanço.
Enquanto os gigantes tecnológicos acumulam fortunas ao serviço da criação da IA, o consumidor comum encontra-se numa posição vulnerável. O crescente custo associado a estas ferramentas pode acentuar desigualdades sociais e económicas. Além disso, as pessoas ficam dependentes destas ferramentas no trabalho e nas suas vidas diárias, criando riscos potenciais de desemprego e exclusão.
É indiscutível que a Inteligência Artificial oferece soluções incríveis para o nosso quotidiano e permite uma revolução sem precedentes em múltiplos setores. Mas devemos questionar os custos — não só financeiros, mas também éticos, sociais e políticos — desta rápida transformação.
A responsabilidade de lidar com a inteligência artificial está atualmente delegada em entidades corporativas privadas e, até ao momento, as mesmas têm falhado em estabelecer modelos de ética e controlo adequados. A democratização da tecnologia e a garantia do seu uso consciente, com proteção social das pessoas comuns, parecem imperativos se queremos criar um futuro justo e seguro.
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