O carro elétrico que conduzo diariamente desde há mais de dois anos, um BMW i3, foi comprado usado. Se fosse novo, teria custado cerca do dobro. Para mim, comprar um EV usado foi a diferença entre poder ou não ter um.
Claro que cada caso é um caso – nisto dos EVs como em tudo na vida – mas penso que vale a pena falar do meu caso específico e tentar extrapolar. Sei que não devemos generalizar argumentos a partir de casos isolados, mas fiquem comigo mais uns parágrafos para perceberem onde quero chegar.
Primeiro, um pouco de contexto: ao longo de mais de 40 anos desde que tenho carta de condução comprei bastantes carros, de diferentes marcas, a gasolina e a diesel. O que é que nunca comprei? Um carro usado.
Sou daquelas pessoas que sempre sentiram que comprar um carro (ICE, a combustão) usado era um risco. Mesmo quando o carro “parece” estar em boas condições, nunca se sabe o seu verdadeiro estado. E, além disso, também achei sempre que os valores que eram pedidos pelos carros usados não eram assim tão mais baixos do que um novo para que fizesse sentido (eu) optar por essa via.
No entanto, desde que decidi, há cerca de 10 anos, que haveria um EV no meu futuro, logo que isso fosse economicamente viável, que pensei em comprá-lo usado. Porquê? Porque as narrativas sobre baterias não me assustam (como não devem assustar ninguém minimamente bem informado sobre o assunto) e o que resta são pouquíssimas peças móveis: um motor elétrico, uma caixa redutora (que só com muito boa vontade podemos apelidar de “caixa de velocidades”) e os restantes componentes móveis que também encontramos num automóvel convencional, como é o caso da suspensão, travões e rodas.
Neste sentido, podemos olhar para um ICE como um veículo analógico e para um EV (carro elétrico) como digital, “zero” ou “um”: ou funciona ou não. E se funciona, funciona. Um ICE, em contrapartida, pode funcionar mesmo tendo problemas graves… que só vamos descobrir tarde demais.
A vantagem elétrica
O mundo dos elétricos usados, em Portugal, tem outras vantagens. Estas passam pelo facto de que existem empresas especializadas na importação e venda de EVs adquiridos no norte da Europa, normalmente provenientes de contratos de renting de curto prazo e que, findo esse período, são colocados à venda pelas locadoras, muitas vezes em regime de leilão.
Estes EVs chegam muitas vezes a Portugal com baixas quilometragens (menos de 40.000 quilómetros), apenas dois ou três anos de idade e ainda cobertos pelas garantias de fábrica – não só garantia das baterias como do carro todo.
No caso de carros originalmente com pouca autonomia (caso do BMW i3), os preços chegam a ser de metade do valor do carro quando era novo. Mas mesmo em carros mais recentes e com autonomias maiores, é frequente vermos carros de 40 ou 50 mil euros a serem propostos por 10.000 ou 15.000 euros menos – valores que os tornam apetecíveis mesmo a compradores com orçamentos apertados.
Já estou a ouvir os mais cínicos dizerem que isso só prova que os EVs se desvalorizam muito depressa. O que sendo verdade, em muitos casos, não explica tudo. Estes EVs chegam cá muito baratos porque são provenientes de mercados em que os respetivos governos oferecem excelentes incentivos à compra. Nos Países Baixos, por exemplo, esses incentivos podem chegar a cobrir até 50% do custo do carro!
Cuidados a ter
Dito isto, haverá certamente pessoas que sentem alguma ansiedade relativamente ao estado das baterias do EV a adquirir. Contudo, há várias formas de verificar se está tudo bem, com e sem custos.
No primeiro caso, é possível pedir (pagando…) um relatório de SoH (Estado de Saúde) da bateria à marca ou a entidades independentes, caso da Dekra Portugal. Há também outras formas, como o acesso a menus secretos no próprio carro (neste caso, o YouTube é nosso amigo), embora isto só se aplique a determinados modelos.
Mas há uma maneira ainda mais simples: garanta que o carro que vai comprar tem a bateria totalmente carregada. O sistema do veículo dir-lhe-á qual a autonomia prevista com essa carga; certifique-se apenas de que o consumo médio (que também deverá encontrar no próprio carro) do veículo não é “estranho” (ou muito alto ou muito baixo, o que iria baralhar as contas) e terá uma boa ideia do que pode contar.
Essa verificação deverá ser feita quando o veículo está num modo de condução “normal” ou “eco” (depende de carro para carro), mas não num modo com maiores limitações. No caso do BMW i3, por exemplo, existe um modo “EcoPro” que é o que a maioria das pessoas usa, incluindo eu; mas há também um “EcoPro +” em que a velocidade máxima do carro é limitada a 90 km e o aquecimento é desligado. A autonomia nesse modo não deve ser considerada como “normal”.
Finalmente, a maioria dos EVs quase novos à venda em stands especializados vem com garantias de fábrica, pelo que o risco é ainda menor. O mínimo com que deverá contar no caso das baterias, são garantias de 8 anos com limite de quilometragem – o valor de 160.000 km é o mais habitual, mas deverá informar-se sobre os valores específicos do carro que irá comprar.
Carros a evitar
Nem tudo são rosas, claro, e há alguns EVs que deverá evitar – embora possam servir perfeitamente o seu caso de uso. No limite, até poderá optar por eles, mas saber das limitações permite-lhe ter argumentos para regatear e fazer baixar o preço.
O primeiro fator que deverá permitir-lhe comprar um EV a preço (ainda) mais baixo é estar fora da garantia do fabricante, especialmente no que diz respeito às baterias, uma vez que quanto ao resto do carro, os stands são obrigados a fornecer garantia com validade de pelo menos três anos, período que pode ser reduzido a 18 meses, mas só de comum acordo com o comprador – e aqui há mais um bom argumento para baixar o preço.
Depois, verifique se a autonomia do carro que pretende se coaduna com o seu caso de uso. Se o que procura é um EV para usar em cidade e não tem problemas de carregamento, quer em casa/trabalho quer em proximidade de postos públicos, encontra muitas coisas interessantes a bom preço.
Para quem pretende um carro mais polivalente, deverá olhar não apenas para a autonomia mas também para as possibilidades de carregamento. Nesse cenário, evite carros que não tenham carregamento rápido DC. Pessoalmente, também não compraria um carro sem possibilidade de carregamento AC trifásico – pelo menos 11 kW; melhor ainda 22 kW – mas sei que isso não é relevante para muitas pessoas.
No caso dos carros japoneses e coreanos de primeira (e, nalguns casos, também segunda) geração, o carregamento rápido é feito através de tomadas CHAdeMO, as quais foram, entretanto, substituídas pelas interfaces CCS2 e, como tal, estão a cair em desuso.
Mas, como disse atrás, isto podem não ser deal breakers mas apenas coisas que lhe permitem regatear e conseguir um melhor negócio.
Dica adicional: pode haver grandes diferenças de velocidade de carregamento mesmo dentro do mesmo modelo, com carregadores trifásicos opcionais e diferentes velocidades de carregamento rápido, que são diferentes consoante as variantes, níveis de equipamento e ano do modelo (MY). Uma vez mais: informe-se bem antes de comprar.
Finalmente, lembre-se do ditado popular: “Quando a esmola é muita, o santo desconfia”. Há EVs no mercado português, nomeadamente Renault Zoe (bem como alguns Nissan Leaf e muitos Kangoo) de primeira geração que surgem com preços muito baixos… porque estão “presos” a um contrato de aluguer das baterias. Se for isso que pretende, ótimo, mas em caso de dúvida, obtenha o VIN do carro e consulte diretamente a marca, de forma a certificar-se de que não há qualquer contrato associado ao veículo.
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