Um estudo em que participa a Fundação Champalimaud descobriu que os núcleos do cerebelo têm uma contribuição significativa na aprendizagem seletiva. O estudo foi agora publicado na Nature Neuroscience.
A aprendizagem associativa é um processo pelo qual associamos uma experiência positiva ou negativa a um determinado estímulo, levando-nos a ajustar o nosso comportamento. Por exemplo, se uma chávena de chá estiver muito quente, vamos esperar um pouco antes de a beber. Ou se os nossos dedos ficarem presos numa porta, vamos ter mais cuidado da próxima vez.
O papel dos núcleos do cerebelo
O cerebelo é uma parte do cérebro que tem sido tradicionalmente associada à coordenação motora, ao equilíbrio e à postura. No entanto, estudos recentes têm mostrado que os núcleos do cerebelo também está envolvido na aprendizagem associativa, especialmente naquela que envolve o timing de uma resposta. Por exemplo, se virmos um flash de luz seguido de um sopro de ar no olho, vamos aprender a fechar os olhos antecipadamente quando virmos o flash de luz.
Uma nova descoberta
Um novo estudo, resultante de uma colaboração entre o Netherlands Institute for Neuroscience, o Erasmus MC e a Fundação Champalimaud, revela que o cerebelo tem mais do que uma camada de aprendizagem associativa. O estudo, publicado na revista Nature Neuroscience, mostra que não só o córtex cerebelar, a camada externa do cerebelo, mas também os núcleos cerebelares, a parte interna, contribuem para este tipo de aprendizagem.
Como foi feito o estudo
Os investigadores usaram ratinhos como modelo animal e treinaram-nos com dois estímulos diferentes: um flash de luz e um sopro de ar no olho. Ao longo do tempo, os ratinhos aprenderam a associar os dois estímulos e a fechar os olhos preventivamente. Os investigadores analisaram então as ligações entre o cerebelo e outras partes do cérebro, usando técnicas como a optogenética, que permite controlar a atividade dos neurónios com luz.
O que foi descoberto
Os investigadores descobriram que as ligações entre os núcleos do cerebelo e outras partes do cérebro ficavam mais fortes nos ratinhos que apresentavam aprendizagem associativa. Além disso, os investigadores descobriram que podiam induzir a aprendizagem associativa nos ratinhos estimulando diretamente os núcleos cerebelares com luz, mesmo quando o córtex cerebelar estava inativo. Isto sugere que os núcleos cerebelares têm a capacidade de aprender e regular o timing do fecho da pálpebra de forma independente do córtex cerebelar.
O que significa esta descoberta
Esta descoberta tem implicações importantes para a compreensão do funcionamento do cerebelo e da aprendizagem associativa. Mostra que o cerebelo tem mais do que uma camada de aprendizagem e que os núcleos cerebelares podem desempenhar um papel mais ativo e autónomo do que se pensava anteriormente. Isto pode abrir novas possibilidades para o estudo das funções cerebelares e das suas perturbações, como a ataxia e o autismo.
Entre Portugal e Países Baixos
O estudo, publicado na revista Nature Neuroscience, é fruto de uma colaboração internacional entre o Netherlands Institute for Neuroscience, o Erasmus MC e a Fundação Champalimaud.
Uma equipa internacional de investigadores nos Países Baixos e em Portugal, composta por Robin Broersen, Catarina Albergaria, Daniela Carulli e com Megan Carey, Cathrin Canto e Chris de Zeeuw enquanto autores seniores, analisou o cerebelo de ratinhos.
Segundo Robin Broersen: ‘Há muito que o córtex cerebelar é considerado o principal responsável pela aprendizagem do reflexo e pelo timing do fecho da pálpebra. Com este estudo, mostramos que fechar a pálpebra no momento mais oportuno também pode ser regulado pelos núcleos cerebelares. As equipas estavam a trabalhar em questões científicas semelhantes e quando percebemos a sinergia entre os nossos estudos, decidimos iniciar uma colaboração internacional que resultou no presente artigo.’
Os investigadores usaram diferentes técnicas para analisar o papel dos núcleos do cerebelo na aprendizagem associativa.
As técnicas utilizadas
Uma das técnicas foi a optogenética, que permite controlar a atividade dos neurónios com luz. Os investigadores usaram esta técnica para estimular diretamente os núcleos cerebelares nos ratinhos, enquanto os treinavam com um flash de luz e um sopro de ar no olho. Descobriram que os ratinhos aprendiam a fechar os olhos antecipadamente, mesmo quando o córtex cerebelar estava inativo. Isto mostra que os núcleos cerebelares podem aprender e regular o timing do fecho da pálpebra de forma independente do córtex cerebelar.
Outra técnica foi a eletrofisiologia, que permite medir a atividade elétrica dos neurónios. Os investigadores usaram esta técnica para registar a atividade elétrica dentro das células dos núcleos cerebelares nos ratinhos, enquanto eles executavam a tarefa. Eles descobriram que a atividade elétrica das células mudava em função do tempo entre o flash de luz e o sopro de ar. Isto mostra que as células dos núcleos cerebelares estavam preparadas para o que estava por acontecer e podiam controlar a pálpebra de forma precisa.
A terceira técnica foi a anatomia, que permite observar a estrutura e as conexões dos neurónios. Os investigadores usaram esta técnica para examinar as ligações entre os núcleos cerebelares, ou seja, os núcleos do cerebelo, e outras partes do cérebro, usando marcadores fluorescentes. Eles descobriram que as ligações entre as fibras musgosas e os núcleos cerebelares ficavam mais fortes nos ratinhos que apresentavam aprendizagem associativa. Isto mostra que as fibras musgosas, que transportam a informação da luz, reforçam a sua influência nos núcleos cerebelares durante a aprendizagem.
O que torna este estudo único
Os investigadores destacam que o que torna este estudo único é a convergência de resultados de técnicas anatómicas, fisiológicas e optogenéticas. Eles afirmam que é notável como múltiplas linhas paralelas de evidências, provenientes de diferentes equipas, convergiram para revelar uma imagem completa daquilo que está a acontecer nos núcleos do cerebelo durante a aprendizagem associativa.
Os investigadores também salientam que este estudo tem implicações importantes para a compreensão do funcionamento do cerebelo e das suas perturbações, como a ataxia e o autismo. Eles sugerem que a ativação das conexões estabelecidas com os núcleos do cerebelo, via estimulação cerebral profunda, poderá vir a tornar possível a aprendizagem de novas habilidades motoras em doentes com danos no cerebelo.
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