O “efeito Osborne” é o nome pelo qual ficou conhecido, no início dos anos 80, um incidente que levou à falência prematura da Osborne Computer Corporation, pioneira na criação daquele que é normalmente considerado como o primeiro computador portátil da era moderna, o Osborne 1.
A história conta-se rapidamente: ainda as vendas do Osborne 1 não tinham começado a descolar verdadeiramente, o fundador e CEO da empresa, Adam Osborne, começou a mostrar à imprensa, sob embargo, o que viria a ser o Osborne Executive, um novo e muito melhor portátil. Tanto quanto se sabe, ninguém na imprensa furou esse embargo, mas a informação acabou por chegar às lojas e distribuidores, que de imediato cancelaram as encomendas do Osborne 1 – apesar de Adam Osborne insistir que o novo modelo não viria para o substituir, mas sim como uma nova adição à gama – precipitando a falência da empresa.
Desde então, o “efeito Osborne” é citado como exemplo de “canibalização” e é por isso que as empresas têm sempre muito cuidado na forma como controlam a informação sobre novos produtos. No entanto, o mesmo efeito pode ser utilizado conscientemente por determinadas empresas, para evitar que os potenciais clientes adquiram produtos da concorrência e esperem pelo lançamento, real ou imaginário, de um “super-produto” pelo qual vale a pena esperar.
Desde há 10 anos, quando começaram a surgir os primeiros automóveis elétricos, que o “efeito Osborne” tem sido usado desta forma por duas entidades ligadas por interesses comuns: as empresas petrolíferas e os fabricantes de automóveis interessados em atrasar a transição para a mobilidade elétrica. O primeiro grupo joga sobretudo a carta do hidrogénio; o segundo aponta para baterias de próxima geração que, quando chegarem, tornarão obsoletas as baterias dos EVs atuais.
Ambos os argumentos colhem muitíssimo bem entre uma (grande) parte dos consumidores que, como já defendi noutro artigo, não querem simplesmente mudar. A ideia do hidrogénio, de que também já aqui falei, apela sobretudo a quem pensa que vai substituir os combustíveis fósseis atuais por hidrogénio “e já está”; já as baterias de nova geração são sobretudo fomentadas por algumas marcas de automóveis atrasadas no processo de eletrificação do seu portefólio, como é o caso da Toyota.
As baterias de “estado sólido”
As três químicas das baterias mais usadas nos EVs são as de iões de lítio (as mais comuns), as LFP (que continuam a utilizar lítio, mas têm uma química diferente e dispensam o cobalto) e, até ao final de 2023, deveremos ter as primeiras baterias de iões de sódio.
Destas três, as primeiras continuam a ser as que têm melhor densidade energética, isto é, as baterias que, para uma dada dimensão e peso oferecem mais autonomia. No entanto, são baseadas em eletrólitos líquidos ou sob a forma de gel, o que traz consigo alguns problemas. E é aqui que entram as baterias de “estado sólido” (“Solid State Batteries”), nas quais tanto os elétrodos como o eletrólito são sólidos.
A ideia de uma bateria de estado sólido não é nova. Na realidade, os primeiros exemplos podem ser encontrados na década de 30… do século XIX! Mas foi só há cerca de 10 anos que os cientistas voltaram a olhar para esta tecnologia como uma alternativa interessante para equipar veículos elétricos.
A Toyota tem sido uma das empresas que tem mantido os media interessados com notícias a conta-gotas sobre os seus esforços em industrializar uma bateria deste tipo. É algo que faz desde 2012 sempre deixando no ar a ideia de que “está quase”. O que, conjugado com o seu fraquíssimo portefólio de EVs, significa sobretudo: “não comprem já um EV; esperem pelo nosso, que vai ser do caraças!”
Quando chegarem, as baterias de estado sólido (também designadas por LMP, iniciais em inglês de Polímero Metálico de Lítio) prometem ter todas as vantagens das atuais de lítio “normais”, mas sem praticamente nenhumas desvantagens: maior densidade energética, maior durabilidade (muito mais ciclos de carga/descarga), mais seguras, mais rápidas de carregar.
Não tenho grandes dúvidas de que, no futuro, teremos efetivamente baterias de estado sólido nos EVs. O problema é saber quando. A este respeito vale a pena lembrar que a Dyson (essa mesma, as dos aspiradores) teve um projeto para criar um EV movido a baterias de estado sólido e que, depois de enterrar umas dezenas de milhões de dólares, simplesmente abandonou o projeto. A principal razão? O seu carro iria usar baterias LMP e… elas não só não existem ainda como ninguém sabe quando estarão disponíveis em grande escala, para aplicações automóveis.
Enquanto isto, a Toyota vai continuando a enviar um press-release para a imprensa de vez em quando, para manter a ideia de tudo isto está já ao virar da esquina. Que é, claro, o que milhões de pessoas querem ouvir: “se assim é, vou esperar; não vou comprar já uma coisa que vai ficar obsoleta em breve”.
É verdade que a compra de um automóvel é um investimento significativo; no entanto, se estabelecermos um paralelo com a tecnologia, isso seria o mesmo que dizer que “não vou comprar o computador [ou o smartphone] xpto agora, porque para o ano vai ser lançado um que é melhor e mais barato”. Sim, o EV que comprarem hoje vai ser substituído no futuro por algo melhor e mais barato. É assim que a tecnologia funciona. Mas, entretanto, quem comprar um EV hoje vai de imediato desfrutar e começar a poupar dinheiro (e o ambiente) face ao que gastaria se mantivesse o seu carro a combustão. Nesse contexto, esperar por algo que não sabemos quando chega (nem a que preço chegará!), não me parece ser uma boa estratégia.
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