Estamos no centro de uma emergência climática, mas ainda discutimos se gestos como trocar um automóvel como motor a combustão (ou ICE, iniciais de Internal Combustion Engine) por um veículo elétrico (EV) fazem sentido.
Ao longo dos anos que tenho mantido a página Mobilidade Elétrica no Facebook, sou diariamente confrontado com comentários recorrentes que, de certa forma, me ajudaram a criar uma imagem razoavelmente nítida do “automobilista típico”. E que imagem é essa, perguntarão? Sucintamente, é alguém que não quer mudar.
Dir-me-ão, “mas António, os EVs (veículos elétricos) são muito caros, e é por isso que as pessoas não os compram”. Aceito que assim seja, nomeadamente para quem está no mercado para comprar um automóvel novo e não quer/pode gastar mais do que 15.000 euros. No entanto, não é isso que eu observo nos comentários à minha página. Muito mais frequentes são os comentários que denotam uma simples falta de vontade em mudar.
É fácil detetar essas pessoas. São as que falam do “problema da reciclagem das baterias” (que não existe) como se estivessem preocupadas com a reciclagem do que quer que seja; são as que falam do “problema da mineração do lítio” como se não existisse um problema (muitíssimo mais grave!) da exploração do petróleo; são as que dizem que “os EVs funcionam a carvão” quando hoje é possível (em Portugal, mas também em muitos outros países) garantir o fornecimento de eletricidade 100% de fontes renováveis, quer em casa, quer nos postos de carregamento público; são as que dizem que “carregar um EV num posto público é mais caro do que abastecer de gasóleo” – quando a realidade demonstra o contrário; que falam na mineração problemática do cobalto, um componente que é ainda (embora cada vez menos) importante na maioria das baterias dos EVs, mas nunca se preocuparam com o problema no contexto da sua utilização na indústria petroquímica; e por aí fora.
Estas pessoas, o que não querem é mudar. Eu entendo: é a natureza humana, como eloquentemente Mark Twain nos explicou há mais de um século. Além disso, existem efetivamente cenários que desaconselham (pelo menos por enquanto) a aquisição de um EV; e, melhor do que trocar um fumarento por um EV é… não ter carro!, andar de bicicleta, caminhar, usar os transportes públicos…
No entanto, isso é fácil de dizer para quem mora, e trabalha!, numa cidade, mas bem mais difícil (ou até mesmo impossível) para quem trabalha numa cidade mas vive nos seus subúrbios – ou vice-versa. A verdade é que ao longo de décadas, desenhámos cidades centradas nos automóveis e só agora estamos a (tentar) desfazer os erros do passado.
Sejamos sinceros: trocar um ICE por um EV não vai mudar o mundo. Mas, entre fazer parte do problema ou parte da solução, eu escolho o último cenário. Da mesma forma que escolho não deixar uma embalagem de batatas fritas numa praia, mesmo que esse lixo seja irrelevante no contexto dos milhões de toneladas de plásticos que todos os anos vão parar ao oceano.
Em próximos artigos tentarei explicar como a mudança para um EV pode fazer sentido mesmo para aqueles que vêm o progresso com bons olhos… mas não gostam de mudar!
* António Eduardo Marques conduz diariamente um EV e é responsável pela página Mobilidade Elétrica no Facebook.
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