Desde que conduzo um veículo elétrico (EV) que 100% das pessoas que sentem curiosidade ao ver o meu carro perguntam sempre a mesma coisa: “qual é a autonomia disso?” Num artigo anterior falei sobre o carregamento, mas em rigor a questão da autonomia surge quase sempre primeiro na conversa.
E, no entanto, não é necessariamente a coisa mais importante. Mas sobre isso falarei mais adiante. Vamos então abordar “o elefante na sala”.
A autonomia dos EVs modernos oscila entre os 200 e os 500 km, sendo que o preço destes carros tende a ser proporcional à distância que são capazes de percorrer com uma só carga. Porquê? Porque a autonomia depende (em grande parte, mas não só) do tamanho da bateria, e a bateria representa uma parte substancial do custo do veículo.
O preço das baterias tem vindo a reduzir-se rapidamente ao longo do tempo, mas é ainda a principal razão pela qual os construtores não conseguem (ou não querem…) oferecer EVs a preço comparável aos ICE da mesma gama. E apesar disto não ser verdade em todas as gamas, é-o para as gamas baixas, que representam a maioria das vendas.
De quantos quilómetros precisamos?
Uma das coisas que os condutores, em todo o mundo, tendem a sobrestimar é a quantidade de quilómetros que fazem todos os dias. Um estudo feito nos EUA, onde as distâncias são muito maiores do que em Portugal, indica que a distância média percorrida pelos condutores no país é inferior a 50 quilómetros.
Quando os portugueses respondem que só comprarão EVs quando a sua autonomia for de 500 a 700 quilómetros (!), estão certamente a pensar em ir e vir de Lisboa ao Algarve (ou qualquer outra viagem do mesmo género que possam imaginar) sem carregar… uma vez por ano.
Este é outro exemplo em que é preciso mudar de mentalidade. Para quem passa 90% do ano a usar o seu carrinho para ir e vir de casa para o emprego, um EV com uma autonomia de 200 quilómetros serve perfeitamente – com a vantagem de que os EVs têm ainda mais autonomia (“gastam” menos) em cenário urbano, exatamente o contrário do que acontece com os ICE.
Para as raras ocasiões em que é preciso usar o carro para ir mais longe, continua a ser possível fazê-lo: é incrível, eu sei, mas os EVs podem ser carregados! E é por isso que, tanto ou mais importante do que a autonomia oferecida, é crucial olhar para a velocidade de carregamento do EV que pretendemos comprar. Como em qualquer compra de valor avultado, devemos fazer o trabalho de casa e informarmo-nos detalhadamente antes de nos comprometermos com um ou outro modelo em particular.
Mas ainda sobre a questão da autonomia, há outras formas de abordarmos a questão. Por exemplo, no meu agregado familiar há dois carros; pelo menos para já, só um deles (o meu) é um EV; o outro é um ICE a gasolina. E isto (uma família, dois carros) é comum em milhares de casos. Para mim, faz todo o sentido começar por trocar um dos veículos – precisamente aquele que é mais usado em circuito urbano – e, em caso de necessidade, usar o outro para uma viagem mais longa.
Outros cenários? Usar o comboio para viagens maiores ou até mesmo alugar um carro, que pode ser um EV com grande autonomia. Mas em qualquer dos cenários, o que é interessa é sempre o mesmo: mudar de mentalidade.
* António Eduardo Marques conduz diariamente um EV e é responsável pela página Mobilidade Elétrica no Facebook.