Num artigo anterior, falei de como acho que a maioria dos automobilistas não quer, simplesmente, mudar de um ICE (veículo com motor de combustão interna) para um EV e, por isso, tenta arranjar uma série de desculpas que não passam de whataboutismos sem sustentação na realidade.
Mas nesse artigo não abordei duas das críticas mais comuns aos EVs: a autonomia e o carregamento. Neste caso nem preciso dos comentários na minha página do Facebook; tenho amigos que me dizem, preto no branco, coisas como “só comprarei um EV quando tiver uma autonomia de 800 km” e “só comprarei um EV quando demorar 5 minutos a carregar”.
Claro que tudo isso é acompanhado de quererem, simultaneamente, que esse EV imaginário custe 20.000 euros, ou coisa que o valha…
Dito isto, acho que o argumento sobre o carregamento é uma discussão que vale a pena termos (o da autonomia ficará para outro artigo). Até porque é um excelente exemplo do que é preciso mudar em termos de mentalidade, quando olhamos para um EV vs um ICE.
Abastecer ICE vs Carregar EV: a comparação faz sentido?
O principal equívoco sobre o carregamento dos EVs é compará-lo de forma direta ao abastecimento dos ICE. Esta comparação só faz sentido num único cenário – o carregamento a meio de uma longa viagem – e, mesmo assim, não totalmente.
Ou seja, a comparação de “demorei 5 minutos a abastecer o meu fumarento, mas fazer o mesmo num EV demorava horas” é algo que dificilmente tem razão de ser no dia-a-dia. A melhor forma de olharmos para isto é a seguinte: um ICE abastece-se; um EV vai-se carregando. Carrega-se em casa e/ou no emprego (para quem tenha essa possibilidade); deixa-se estacionado a carregar; aproveita-se a ida ao supermercado e deixa-se a carregar; e por aí adiante.
Mesmo o cenário do abastecimento de eletrões num posto de carregamento rápido no meio da auto-estrada não é comparável ao de um ICE: paramos para ir ao café ou fazer as necessidades, e deixamos a carregar. Quinze ou 20 minutos depois, recuperámos carga suficiente para continuarmos viagem. Chegados ao destino, deixamos o carro a carregar durante a noite; na manhã seguinte, estará pronto para voltar a seguir viagem.
Onde quero chegar é a este ponto: viver com um EV todos os dias requer uma mudança de mentalidade. E o que se passa é que muitos automobilistas olham para um EV com o mesmo referencial do seu ICE. Percebo que assim seja, porque não entenderam a diferença; mas tudo o que é preciso é estar de mente aberta e perceber que a mudança não é uma coisa necessariamente má.
Dito isto: para quem viva num local onde não possa carregar, nem em casa, nem no emprego, nem em postos públicos, viver com um EV não é (ainda) exequível. Entendo isso. A essas pessoas, só digo que, muito provavelmente, será exequível no futuro, à medida que a rede de postos públicos aumenta e que os carregadores se tornam uma coisa natural.
Sobre a autonomia dos veículos elétricos falarei no próximo artigo.
* António Eduardo Marques conduz diariamente um EV e é responsável pela página Mobilidade Elétrica no Facebook.
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