Nos bastidores da novela “O Outro Lado do Paraíso”, tive a oportunidade de entrevistar esse ator que esbanja carisma e simpatia. Muito eloquente, Sr. Lima Duarte está sempre muito disposto a puxar conversa, relembrando memórias afetivas de sua rica trajetória de vida. No nosso bate-papo, Sr. Lima Duarte riu em diversos momentos e emocionou-se ao lembrar de sua mãe.
Ivann Willig: O senhor é, de fato, um dos maiores atores brasileiros de todos os tempos e já teve a experiência de dirigir duas novelas de sucesso nos anos 1960: “Direito de Nascer” e “Beto Rockefeller”, da extinta TV Tupi. O cinema, nunca lhe despertou interesse para dirigir?
Lima Duarte: “Não. Nunca. Talvez porque eu tenha trabalhado muito em teatro e TV. Cinema é muito trabalhoso. É outro veículo, outra sensibilidade.”
IW: Tendo sido amplamente premiado no Brasil e sendo reconhecido no exterior, em festivais de Havana, Cannes e Veneza, uma carreira no exterior não lhe parecia um caminho a ser percorrido?
LD: “Fiz uns 50 filmes. Eu tenho quase uma carreira internacional, em Portugal. Fiz 2 filmes com o diretor Manoel de Oliveira, um dos maiores artistas do século e 1 com Zé Fonseca e Costa, outro grande realizador. O Manuel, que morreu com 104 anos, tinha um roteiro baseado no conto de Machado de Assis, intitulado “A Igreja do Diabo”, que ele queria fazer comigo e com a Fernanda Montenegro. Infelizmente ele morreu antes, mas eu to pra ir pra Portugal, inclusive pra ver se encontro esse roteiro e comprá-lo pra gente o realizar. Fernanda é uma grande conhecedora de Machado de Assis e eu de Manoel de Oliveira, então vamos pensar em interpretar e dirigir, só que eu ainda não falei nada disso com a Fernanda…(risos).”
IW: O Sr. Lima Duarte é filho de um boiadeiro e de uma artista de circo. Como surgiu o seu despertar para a vida artística?
LD: “Nessa minha tão bizarra estrutura familiar, como é que eu ainda consegui me formar, né? A minha mãe era atriz de circo, que representava um repertório de comédia brasileira, como de costume. Sou filho único. Minha mãe teve um acidente depois de eu ter nascido e, não pôde mais ter filhos, senão ela teria tido uns 20, como a gente faz lá em Minas, (risos). Meu pai viajava muito. Eu ficava muito com minha mãe. Ela gostava de interpretar e me levava junto. Eu era pequenininho e, no palco, cantava com ela umas operetas portuguesas:
“Por que passas, oh Maria,
Por que estás tão triste assim?
Mas eu não te conhecia
Se não passas junto a mim”
Minha mãe então dizia:
“Estou triste, porque deve,
Sei que tu vais embarcar,
Eu não tenho quem me leve
Nem tu podes me levar”.
E eu completava:
“Meu amor, deixar estar
Que eu volto pro Brasil
Pra te buscar…”
…eu lembro com bastante clareza, numa peça chamada “Ladra”. Eu tinha uns 12 anos. A história da peça era sobre um roubo cometido pelo filho, mas era a mãe que assumia o crime, pro filho não ir pra cadeia. Certa vez, estávamos fazendo uma cena…eu tava sendo submetido a um interrogatório e a “ladra” ali do lado. De repente, eu olhei pra “ladra” – interpretada por minha mãe -, e ela me olhava muito profunda e ternamente, como mãe, e não como personagem. Naquele olhar, eu percebi que ela tava vendo o filho crescer, o filho se tornando artista. Com indizível prazer e alegria, ela me olhava, sorria…aquele olhar calou fundo em mim e me conduz até hoje, até à Globo, até ao Sinhozinho Malta, Zeca Diabo…Foi aí que eu senti, evidentemente, o ator que eu sou.” (seu Lima, visivelmente emocionado).”
IW: Com tantos personagens no currículo, seja no cinema, tv, teatro, e até dublagem, onde o senhor fez a voz do famoso personagem Manda Chuva…gostaria de retomar algum personagem? Há algum arrependimento em sua carreira?
LD: Arrependimentos? Sim, vários. Vários. Depois de dezenas de filmes e novelas, evidentemente alguns papéis eu não fiquei muito feliz, mas sempre procuro ajeitar o personagem para mim. É muito difícil pra um autor que escreve 200 capítulos, se dedicar num personagem. Nesta novela – “O Outro Lado do Parsíso” -, tem 01:15 de projeção na TV, por dia, é como se fosse um longa metragem diário. Então, cabe a mim, moldar o personagem. Vou dando um jeito aqui e ali, formando ele ao meu gosto e prazer, do jeito que eu me identifique melhor e, através do qual, eu possa falar mais diretamente com o espectador. Eu disse outro dia numa entrevista: amigo telespectador, eu sei que nós dois envelhecemos juntos. Aqui na Globo eu estou há 46 anos. Então, você me viu quando era jovem e eu era também e fomos envelhecendo, envelhecendo e mantemos um diálogo, muito agradável, há 46 anos. Se eu pudesse retomar um personagem, seria Sassá Mutema. Esse personagem foi o que me tocou mais de perto. Eu procurei encontrá-lo dentro de mim. Ele tinha hipérboles e metáforas, lindas.”
IW: O lendário ator José Lewgoy dizia que “a arte de atuar é a arte de esperar”. O que o Sr. Lima Duarte ainda espera alcançar com a sua arte? Quais são suas ambições artísticas?
LD: (risos). “Eu espero começar a gravar logo. (risos). Quero ir pra casa. (risos). Mas o Marlon Brando também dizia: Eu trabalho há 25 anos, ou seja, trabalhei 5 anos e esperei 20. (risos). Eu já não espero mais nada. Tenho quase 90 anos. Espero apenas as alegrias, a felicidade cotidiana, dos pequenos momentos. Eu conduzi minha vida toda assim, sendo feliz e alegre com os personagens, com o telespectador, com viagens, com amigos. Tudo muito pequeno, na minha medida, e assim será até o fim. À propósito, com “Palavras e Utopia”, um filme de Manoel de Oliveira, onde eu represento o Padre Antonio Vieira…Lá em Portugal, havia uma certa animosidade por eu ter sido escalado pra fazer um português. Havia um ranço colonialista na cabeça ou no coração dos portugueses. Havia um ambiente hostil naquela época. Um brasileiro vindo da Terra de negros e índios, representar em Portugal, o Padre Antonio Vieira…mas eu realmente fiquei muito feliz, e no Festival de Veneza, eu fui candidato ao Leão de Ouro. Quase que eu ganhei. Fiquei em segundo lugar. Perdi para uma das maiores interpretações de todos os tempos, Javier Barden, fazendo “Mar Adentro”. Eu torci por ele. Eu gritei pra ele. Fiquei feliz por estar ali, ao lado do Javier e também pelo Manoel de Oliveira, por ter dado essa lição de humanidade aos seus conterrâneos portugueses, atores, artistas…”
IW: De que forma os avanços tecnológicos atrapalham ou ajudam no desenvolver da sua arte?
LD: “Puxa vida, eu prefiro não tomar conhecimento disso, porque mudou muito. Mudou demais. Uma atuação boa é muito poderosa e pode permanecer, se impor sobre toda tecnologia que incomoda. Ainda acho que o ator é um elemento poderoso. Se o ator tem um texto grande, pode tocar o celular de alguém em volta, me perdoe a expressão, mas essa latrina da internet…Eu quero é conduzir meu personagem e ser conduzido por ele. Num certo sentido a tecnologia melhora sim, é mais confortável pra se trabalhar, ganha-se mais dinheiro, melhora a vida, mas pra mim, a fotografia de hoje, com iluminação fantástica, tem que servir às interpretações. Um grande personagem, uma grande atuação, através dos olhos do ator, através dos seus sentimentos é que é capaz de penetrar no coração do espectador. É tudo o que eu quero.”
IW: Muitos dos jovens cineastas começam dirigindo curtas. O Sr. Lima Duarte tem ou gostaria de ter alguma experiência em projetos de curta-metragem? Qual a sua relação com jovens talentos que possuem menos experiência que o senhor?
LD: “Eu estou à disposição. Se um jovem cineasta tiver uma ideia que me mobilize, eu vou. Mas tem muita brincadeira, muita bobagem por aí. Isso não me interessa. Gosto de estar ao lado de gente nova, com novas ideias. É interessante. É estimulante. Estou à disposição.”
IW: Em outras conversas que já tivemos, o senhor deixou claro que ama o filme “O Paciente Inglês”. Esse filme está entre os 10 favoritos da sua vida?
LD: “Adoro, adoro O Paciente Inglês. Aquele amor todo; a interpretação da Juliette Binoche…um filme muito, muito romântico. Que belo roteiro. Mas não está entre os 10. Eu sou cinéfilo. Amo Istvan Szabó, com Mephisto; John Ford (Nos tempos da Diligência). Adoro o Decálogo de Krysztof Kieslowiski, Não Pronunciará o Nome de Deus em Vão, é maravilhoso. Não Amarás é também muito bom.”
IW: Se o senhor fosse um personagem de cinema, qual seria? Que filme gostaria de ter feito?
LD: “Eu tenho sonhado sem ser muitos, tantos. Gostaria de ter feito Macbeth, Hamlet, Casablanca, mas por ser ator e ter participado de teatro revolucionário, de pesquisa, eu prefiro o personagem de Klaus Maria Brandauer em Mephisto.”
IW: Quais são ídolos cinematográficos de Lima Duarte ?
LD: “Chaplin é Chaplin. Javier Barden também é um ídolo.”
IW: Se o senhor pudesse dar um Oscar especial, quem seria o premiado?
LD: “Todo aquele que luta pela liberdade, que combate a corrupção; o que luta a verdadeira luta, que é preciso pra se viver no Brasil. Todo aquele que ama a sua gente.”
IW: Como o senhor gosta de ser lembrado?
LD: “Eu quero ser lembrado como um amigo que frequentou a casa dos telespectadores durante uma vida inteira.”
IW: Muito obrigado Sr. Lima Duarte. Foi incrível.
LD: “Eu que agradeço. Aliás, aproveito pra agradecer à todos os portugueses que sempre me prestigiaram muito.”
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Mais informações sobre Lima Duarte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Lima_Duarte
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