Passaram-se seis anos desde a última vez que vimos um episódio novo de Curb Your Enthusiasm, mas basta a primeira cena do primeiro episódio desta nova temporada para sabermos que estamos em território conhecido: Larry David, agora com uns muito respeitáveis setenta anos, tão magro e tão calvo como sempre, toma um duche. O plano não é exatamente apelativo, e a água no corpo e, principalmente, na cabeça de David dá-lhe um aspeto estranho, vagamente alienígena, a milhas da fotogenia habitual da “cena de chuveiro”; entretanto, num momento clássico de desespero larrydavidiano, mímica exata de irritações universais, Larry pressiona a cabeça de uma garrafa de gel de banho, sem que qualquer gel saia. Fá-lo uma vez, e outra, sempre sem sucesso. E acaba a gritar, no enésimo momento de agastamento com as coisas triviais do quotidiano, e a bater com o frasco na parede, até que este parte e o gel escorre facilmente, para seu contentamento. E nosso, já agora.
É o regresso em grande forma de um dos co-criadores de Seinfeld, e o regresso de uma série que, incrivelmente, dura desde 1999, tendo feito parte de um punhado de criações que puseram a HBO na vanguarda da produção televisiva do início do século, fazendo companhia a Os Sopranos, a Sete Palmos de Terra ou a Oz nessa vaga de produções para o cabo americano, com toda a liberdade criativa que isso implicava. É prova do tipo de reputação que Larry David tem, e da rédea solta que lhe é dada pela estação, que a série chegue ao décimo oitavo ano apenas na nona temporada. Larry tem essencialmente carta branca, bastando-lhe fazer uma chamada para pôr as coisas a mexer e uma nova temporada na forja. Desde há anos que cada temporada, para o criador, é a última, mas acaba sempre por haver uma faísca de inspiração que traz outra e outra, e não é difícil imaginar Larry a continuar, de forma intermitente e indefinida, a prolongá-la enquanto para isso tiver inspiração e disposição.
O lado essencialmente improvisado da série, o seu universo de colaboradores habituais (que estão praticamente todos de volta, e com poucos sinais de envelhecimento em relação à oitava época, de 2011: Ted Danson, Susie Essman, Jeff Garlin e demais mantêm-se largamente inalterados; apenas Richard Lewis, o comediante e guru filosófico que acompanha Larry desde a primeira época, parece ter sentido, e de que maneira, a passagem do tempo) e o baixo orçamento também permitem a Larry gozar de uma folga que não existe em muitas outras produções do canal e da televisão americana em geral. Curb Your Enthusiasm não é Westworld.
Vistos dois episódios, fica a ideia de que pouco ou nada mudou, e isso, tendo em conta a excelência das temporadas anteriores, apenas pode ser bom. A premissa, de que uma entrevista de Larry no talk show de Jimmy Kimmel sobre uma peça que escreveu para a Broadway, uma comédia musical chamada Fatwa sobre o apelo à morte do escritor Salman Rushdie imposto em 1988 pelo aiatola Khomeini, feitiço virado contra o feiticeiro quando o próprio Larry David se torna o objeto de uma outra fatwa devido a imitações impróprias do líder religioso iraniano, é tão tresloucada como sempre. É também, como habitual, apenas o pano de fundo para uma série de ventilações de David em relação a tópicos mais ou menos controversos, da supracitada dificuldade com as garrafas de gel de banho ao pouco sentido que existe em pegar em biscoitos com pinças, abordados com a candura sem filtros da personagem criada por David que, versão idealizada do verdadeiro Larry David e espécie de materialização das repressões de todos nós. Para Larry, e está aí o primeiro e principal atrativo da série, não há tempo para falinhas mansas.
Regresso bem-vindo num ano de regressos, a nona época de Curb Your Enthusiasm não tem transmissão em Portugal ainda, afirmação que parece um pouco anacrónica numa altura em que uma série “passar na televisão” é apenas uma parte, e por vezes uma muito pequena parte, da vida de uma série “de televisão”. Ficamos à espera, de qualquer forma, que um dos nossos canais faça o favor de transmitir uma série que no nosso país recebeu o nome parvo de Calma, Larry. Não, não, não: se há razão pela qual Curb Your Enthusiasm continua, por assim dizer, a entusiasmar, ao fim de todos estes anos, é precisamente o oposto. Não tenhas calma, nunca, Larry.
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