É incrível pensar que, daqui a uns míseros sete anos, Jerry Seinfeld, atualmente com sessenta e três anos, será septuagenário. Este tipo de exercício torna-se ainda mais pasmante quando o alargamos ao programa de televisão que o fez instantaneamente reconhecível e rico de um dia para o outro: Seinfeld, a tal série “sobre nada” que foi um dos grandes fenómenos televisivos dos anos 90, foi para o ar em 1989, há pouco menos de trinta anos. Esganicemos a voz, num daqueles momentos de ultraje simulado uma oitava acima do tom normal pelas quais o comediante americano é rapidamente identificável: trinta anos!
Um pouco mais atrás. Antes de 1989, já Jerry tinha feito nome no circuito de stand-up comedy nova-iorquino, onde começou em 1976. Jerry Before Seinfeld, o primeiro de dois especiais para a Netflix (para onde passaram também os episódios passados e futuros da muito recomendável Comedians in Cars Getting Coffee, série até agora online cujo título, fazendo justiça ao famoso poder de síntese de Seinfeld, diz tudo o que é preciso dizer e reúne três das coisas favoritas do homem: comediantes, carros e café), é um regresso às origens, não só porque foi filmado no clube The Comic Strip, onde Jerry deu os primeiros passos, como Seinfeld passa muito tempo a falar sobre esses tempos iniciais, com direito a encore de algumas das primeiras piadas que contou em palco.
Para quem tenha acompanhado o percurso de Seinfeld desde o fim da série, em 1998, ou para quem passou horas a ver participações em talk shows ou espetáculos antigos, poucas serão as razões de surpresa deste especial: algum material é novo, sim, e adaptado aos tempos (se há trinta anos as piadas eram sobre táxis, agora são sobre a Uber), mas a jovialidade de Jerry, que continua a parecer um miúdo, e em particular o seu estilo de humor, limpo, agora como sempre sem recorrer a palavrões mas com toda a precisão de um bisturi, sem perder aquela capacidade para pôr em palavras pensamentos soltos e aquelas observações que já todos fizemos um dia, mantém-se todo lá. A abertura, com uma série de piadas sobre as preposições (in ou on) que se associam a diferentes meios de transporte, é um grande exemplo disso mesmo: Jerry a ser Jerry, a olhar para o que toda a gente vê e a fazer comédia com isso.
A dada altura, Seinfeld vira-se para o público e tenta justificar o porquê de achar que Nova Iorque foi um bom sítio para crescer como comediante: todos os nova-iorquinos são um bocado engraçados, diz; se calhar até os membros daquela audiência estão ali, naquele momento, a pensar que poderiam perfeitamente estar em palco a fazer o mesmo que ele. A observação é generosa mas não exatamente verdadeira: Seinfeld continua a fazê-lo parecer fácil, mas fazer comédia durante quase quarenta anos e encontrar sempre coisas novas para dizer não é apenas para quem é um bocado engraçado. A comédia, e o stand-up em particular, trabalha-se com paciência e dedicação, de forma solitária. Dizer uma piada em palco é um salto de fé: o riso da audiência é a aprovação final – Jerry diz que o que lhe interessou desde sempre foi que o público gostasse do material, sendo-lhe indiferente se gostava dele ou não, e nós acreditamos -, o silêncio pode ser ensurdecedor e quebrar mesmo os comediantes mais experimentados. Jerry Seinfeld atingiu há muitos anos um estatuto que lhe permitiria conseguir risos mesmo com material absolutamente banal, mas isso não o tornou menos exigente consigo próprio.
O porquê está fácil de ver: ele gosta mesmo daquilo e faz comédia porque é comédia que sempre quis fazer. Nos primeiros tempos, diz, pensava que por pouco que ganhasse, desde que tivesse o suficiente para comprar um pedaço de pão por semana e pudesse continuar a contar piadas como forma de vida, seria feliz. O resto é secundário, e em Jerry Before Seinfeld há toda uma estrada pavimentada com folhas de papel, brancas e amarelas, com piadas escritas, conta, “entre 1975 e esta manhã”, para prová-lo. O dinheiro e o reconhecimento chegaram – se chegaram! –, eventualmente, mas é bom ver que o Jerry de hoje continua a ser, em grande medida, o Jerry de antes de Seinfeld.
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