A compra da divisão mobile da Nokia pela Microsoft levou a empresa de Redmond a desembolsar a bonita quantia de 5,4 bilhões de dólares em 2013. Foi anunciado como o negócio do ano e tinha tudo para o ser: A empresa fundada por Bill Gates ficava com o know-how que tinha permitido o lançamento de alguns dos melhores smartphones do mercado e ganhava assim o impulso para lançar definitivamente o seu SO Windows Phone. A ideia por trás do negócio era boa. Mas hoje sabemos que este foi dinheiro deitado à rua.
Os números não mentem. A Microsoft está mesmo com um sério problema e terá provavelmente de rever toda a sua estratégia. Os resultados do trimestre agora revelados são catastróficos para o gigante norte-americano no mercado mobile. A imensa gama Lumia – os smartphones que recolhem a experiência da Nokia – vendeu nos primeiros três meses do ano 2,3 milhões de unidades.
Este é um número que representa uma diminuição de quase três quatros em relação ao início do ano passado. As vendas de smartphones Lumia foi inferior em nada menos do que 73 por cento do que nos primeiros três meses de 2015.
É caso para se dizer que o Lumia morreu, mesmo que seja mantido a respirar artificialmente durante uns tempos. Há-de chegar o momento em que os responsáveis da Microsoft se convençam da falta de perspetivas da divisão mobile e desliguem as máquinas e resolvam o que fazer aos 18.300 funcionários que transitaram da Nokia e são diretamente responsáveis pelo fabrico, montagem e embalagem dos Lumia em todo o mundo.
Um pouco de história
Se olharmos para o historial das duas empresas que estão por trás dos Lumia percebemos o porquê deste rotundo falhanço. Façamos um pouco de história:
A Nokia foi a principal construtora de telefones portáteis a nível mundial durante muitos e bons anos, numa aventura que começou em 1992 com o primeiro aparelho com GSM. Em 2000, o construtor finlandês tinha uma quota de mercado de 30 por cento a nível global e o seu reinado foi longo. Até ao dia de 2007 em que bem longe da Finlândia, um senhor com uma camisola negra de gola alta subiu a um palco e mostrou um aparelho que era em simultâneo um iPod com touchscreen, um telefone e um aparelho de comunicações pela net: nascia o iPhone e os smartphones passam a ser o sonho de todos.
Foram cerca de 15 anos em que a Nokia foi líder incontestada e em que apostava todas as fichas no desenvolvimento do hardware: foi dos finlandeses o primeiro telefone com acesso à internet, o que pela primeira vez tinha uma câmera e o primeiro a conseguir captar vídeo. Mas faltou-lhes dar o salto; faltou-lhes a criação de um SO atrativo que permitisse aos desenvolvedores a criação de apps que alterassem os hábitos de consumo e de vida.
Do outro lado temos a Microsoft, a empresa fundada por Bill Gates, o homem que nos pôs a todos a utilizar computadores com o SO amigável e que nos fez pensar que Windows não é a palavra inglesa para janelas mas o nome próprio dos pc’s. Só que o foco da companhia foi até à bem pouco tempo o seu SO e as suites de produtividade. Gates terá mesmo dito que a Microsoft “não estava interessada na internet” e que esta seria “uma moda passageira”. São citações que se tornaram verdadeiras sem nunca encontrarmos a origem. O que é certo é que o fundador da Microsoft afirmou que “em 1995 a internet era a nossa quinta ou sexta prioridade”. A Microsoft ainda é hoje líder incontestada de SO para PC e de programas de produtividade.
Nadar contra a corrente
O historial das duas empresas permite verificar que ambas tiveram tanto sucesso que adormeceram ao voltante e não se aperceberam em tempo útil de que o mundo estava a mudar. E então um dia, em momentos diferentes e com abordagens diversas, resolveram apostar forte no mercado dos smarphones.
A Nokia aposta em aparelhos elegantes e num ultrapassado SO, o Symbian. A Microsoft torna o Windows móvel.
Só que as duas companhias têm um problema em comum. Chama-se Android e foi lançado comercialmente em 2008, ou seja, apenas um ano após o iPhone. A Microsoft viu o potencial de um sistema aberto, atualizável e disponível para os desenvolvedores criarem apps e agiu, lançando em 2010 o Windows Phone, desde início com um interface de design cuidado e amigo do utilizador.
A resposta da Microsoft poderá parecer rápida, uma vez que foi necessário desenvolver de raiz o produto, mantendo a impressão digital do Windows, mas a verdade é que foi demasiado tarde. Depois de um começo que parecia titubeante, o Android impôs-se e no final de 2010 já detinha 30 por cento do mercado, graças às parcerias com os fabricantes e a uma aposta forte nos desenvolvedores. A Microsoft terá pensado que todas as marcas de smartphones bateriam à sua porta, mas tal não aconteceu.
Num primeiro momento, a Microsoft e a Nokia tentam juntar esforços e anunciam em 2011 uma parceria estrategica em nome da possibilidade de escolha do consumidor. Fizeram bons aparelhos com um bom SO. Mas…
Só que a corrente já então era avassaladora e era surfada sem contestação pela Google e o seu SO baseado em Linyx. O engraçado homenzinho verde veio para ficar e é líder inconstado do mercado mobile. O grande problema dos Lumia é a escala. Os desenvolvedores sabem que se fizerem uma app para Android terão retorno, o que já será duvidoso no caso dos Windows Phone., pelo que investem todos os seus esforços no Android. Os consumidores que têm aparelhos com Windows Phone sofrem com a frustração das expetativas. Têm um bom e bonito aparelho com um bom SO mas sem funcionalidades. E à primeira oportunidade correm a comprar um Android ou um iPhone.
A Nokia foi a primeira a atirar a toalha ao tapete e em 2013 desistiu de vez, vendendo a sua divisão mobile e saindo do negócio. E os resultados do primeiro trimestre agora anunciados pela Microsoft revelam aquilo que já era do senso comum. Chegaram tarde aos smartphones e as diferentes estratégias que tentaram para ganhar escala e tornar competitivo um produto que é bom falharam.
Nos três primeiros meses do ano apenas se venderam 2,3 milhões de smartphones Lumia. Só a Samsung conseguiu vender 10 milhões de unidades no primeiro mês após o lançamento do Galaxy S7.
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