A tarde já ia longa. Uma tarde seca, quente, daquelas que só Lisboa sabe criar no pico do Verão. A Taberna das Almas, onde a apresentação do Until Dawn tinha decorrido anteriormente, estava especialmente refrescante. Will Bynes, o Director Criativo da Supermassive Games, acabava uma das inúmeras entrevistas daquele dia, sempre com um copo refrescante de Coca-cola ao lado. E é com esta descontracção que conversámos.
Aliás, muita desta descontracção e felicidade traduz-se na alegria que o próprio tem sobre o seu projecto: “É muito bom, na verdade. É o melhor emprego que já tive, e falamos claro de uma grande equipa por detrás deste jogo” Rapidamente fui elucidado quanto ao seu papel no momento criativo de Until Dawn. Bynes não guarda para si nenhum individualismo no processo, defendendo sempre o facto de ser uma construção de equipa. Prefere colocar-se como “aquele que foca todas as ideias na mesma visão, por forma a que não se torne algo diluído, até porque é muito fácil perdermo-nos num grande fluxo de ideias num projecto desta magnitude”.
Portanto, seria fácil especular que a ideia para a escolha da temática se centrava em Bynes. Pelo contrário. Bynes afirma que “não, originalmente a ideia era para ser numa plataforma diferente, a PS3, e nessa altura o enredo estava construído para um jogo de horror juvenil. Portanto escrevemos a história, criámos bastantes twists, mas como não avançou na altura, demos-lhe algumas voltas.” Fica assim dissipada a ideia de que Until Dawn se tornou eventualmente um Slasher. No fundo, e segundo Bynes, efectuaram um exercício de escrita para tornar o enredo mais escuro, mais adulto, mais cinemático. A alteração da perspectiva da 1ª pessoa para a 3ª pessoa ajudou, também, nesta evolução do conceito.
Assim que tudo se conjugou num processo de reunião “de ideias do mundo do cinema, daquele estilo mais pós-moderno dos filmes de terror, onde a audiência tem perfeita noção das regras inerentes ao género e o desafio para os surpreender cresce”. A vontade da Supermassive Games é, então, quebrar, subverter e corromper o cânone do terror. Isto para alguém que tenha passado pelos anos 90 como eu, é música para os ouvidos. Quantos não assistiram aos icónicos Halloween, Scream, Friday the 13th e Nightmare on Elm Street, sem ir enumerando (quando os sustos o permitiam) as diversas regras que iam sendo cumpridas? A pessoa que se esconde no ponto mais alto do edifício e tranca-se sem possibilidade de fuga, o tipo que foge e que tropeça e cai, geralmente, duas vezes, o assassino que surge sempre ou com uma máscara ou com parte do corpo disfarçada.
Bynes e a sua equipa passaram por um processo muito moroso de estudo, pelo que existiram diversos desafios inerentes à recriação do medo, de forma generalizada, no jogo. “Um dos desafios, primeiro que tudo, passa por aquilo que ocorre numa perspectiva mais pessoal, como as das longas-metragens. O que acontece às personagens é adquirido, de forma empática, pelo espectador, enquanto uma experiência sua. Quando vês um filme como este, é fácil sentires o medo enquanto teu.” Contudo, como Bynes aponta e bem, no momento de escrever estas ideias e se passa aos ensaios, tem que estar tudo bem adquirido na mente e o resultado inicial é algo bastante simples e, pura e simplesmente, não metem medo. Desta forma, a maturação do que é o susto e das ideias daquilo que efectivamente assusta ou não têm que ser gerais e não focadas apenas na opinião do que alguém julga ser assustador.
Contudo, não nos esqueçamos de que Until Dawn é um jogo. E como jogo, tem como propósito divertir. “Tal como um filme de terror, o objectivo é estar com um grupo de amigos e gritar com medo para, depois, desatarem-se todos a rir à gargalhada. No fundo, é isso que desejo com Until Dawn, é que se divirtam todos a jogá-lo, com grupos de amigos, e se riam bastante com os sustos que iremos pregar.” O que, curiosamente, ocorreu durante a apresentação. Um susto repentino e algumas gargalhadas abafadas, que contribuíam definitivamente para este ambiente de “filme de terror”.
O futuro, pelo que as críticas iniciais de Until Dawn dão a entender, será bastante risonho para a Supermassive Games (o Tech&Net ainda não tem uma cópia para teste mas assim que tiver, contem com uma análise detalhada de Until Dawn). Porém, Bynes prefere focar ” a expectativa de como o público irá reagir a este jogo. Precisamos também de receber algum feedback para entendermos se esta mecânica de jogo será viável para o futuro ou não. Temos diversos projectos a acontecer ao mesmo tempo, pelo que não estamos completamente dependentes disso, mas sim, são tempos emocionantes”. Esta área da narrativa tem um potencial ainda bastante grande, por concretizar. Projectos como o Silent Hills que nunca aconteceu, de del Toro e Kojima, ajudavam a descortinar um pouco aquilo que ainda podia ser feito no género de terror dos videojogos que não fosse um simples Survival-Horror. Until Dawn promete quebrar estas regras, e Bynes está bastante confiante de que será um passo em frente na criação de novas narrativas para o género, cada vez mais interligadas com a narrativa cinematográfica.
Se a evolução passa por aí? É ainda cedo para criar expectativas. A verdade é que a história mostra-nos que filmes que emulem temáticas de videojogos falham redondamente, bem como jogos que tentem emular películas. A fusão de ambos pode ser uma alternativa interessante para as duas indústrias de entretenimento mais poderosas do mundo, mas por agora, mantenho uma visão um pouco tradicionalista e defendo, com unhas e dentes, o distanciamento de ambos. Mas se pessoas com a visão de Bynes continuarem a progredir, talvez mude de ideias.
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