Se há preconceito que, infelizmente para os jogadores, tem um fundo muito grande de verdade, é que os jogos de super-heróis deixam a desejar em termos de qualidade. Se nos recordarmos de atrocidades como Superman 64, facilmente aplicamos este rótulo a todos. No meio deste marasmo, sempre apareceram algumas boas excepções à regra – caso de X-Men da Konami, ou do The Adventures of Batman & Robin, para a Mega Drive. Contudo, e até ao primeiro título da série Arkham, da Rocksteady, nenhum poderia ter concorrido, de forma séria, a jogo do ano.
Serve este preâmbulo todo para reforçar o quão importante esta série foi para a credibilização de Batman enquanto o melhor super-herói dos videojogos, um pouco como aquilo que Christopher Nolan fez tão bem para a versão cinematográfica do Homem Morcego. A questão que se coloca, no entanto, é simples: Será o último Batman da Rocksteady o melhor de todos?
Já sabem, Guião, Gráficos, Banda-Sonora, Jogabilidade e Diversão. Vamos mergulhar em Gotham City?
Guião
A minha história favorita do Batman continua a ser, ironicamente, uma onde ele é, praticamente, um actor secundário. Falo de The Killing Joke, de Alan Moore. A história tenta estabelecer, como outra inúmeras antes e depois, o passado de Joker, o arqui-rival de Batman.
Pelo meio, navegamos pela mente psicótica e altamente alucinada deste vilão, com momentos que perduram no lore deste herói, como o ataque a Barbara Gordon que a deixou confinada a uma cadeira de rodas, a viagem pela montanha-russa de Jim Gordon, o momento em que heróis e vilão partilham uma gargalhada.
Este exemplo demonstra a maior qualidade do universo de Batman – os seus vilões. São estes psicopatas, as suas motivações, o passado que os levou até à sua queda, a sua relação com Gotham e, mais precisamente com Batman, que tornam fascinante as suas aventuras.
Para vos ser honesto, esta é uma das duas grandes falhas de Batman: Arkham Asylum. O confronto inicial dá-se com o Scarecrow e uma ameaça de lançamento da sua Toxina do Medo por Gotham inteira, para que uma evacuação em massa ocorresse. Com Scarecrow temos também alguns nomes de peso, como Penguin, Two-Face e Poison Ivy, mais o novo Akrham Knight, envolto em mistério.
No fim, o mistério não é assim tão grande e a sua conclusão também não. Estes vilões estão todos designados a momentos bastante definidos do jogo, por detrás de mini-jogos. Pior – não acrescentam absolutamente nada ao enredo. Acabei por, para além do Scarecrow, não sentir qualquer tipo de tensão ou incentivo em tentar deslindar os casos destes vilões, o que viciou em muito a minha experiência de jogo.
Gráficos
Já nos gráficos, a história é outra. Gotham é escura, suja, perigosa, molhada. Porém, é belíssima. A reconstrução do universo Batman na nova geração (este jogo foi testado numa Playstation 4) está muito fiel ao passado iconográfico da personagem da DC Comics.
O estilo Art Deco está grandemente representado nos detalhes dos diversos bancos e elevadores por onde passamos, as ruelas mal-iluminadas mostram a sujidade de bairros infestados de crime e podridão muito própria de Gotham, em comparação directa com os edifícios altamente desenvolvidos e tecnológicos que coabitam neste espaço altamente vivo.
Durante os momentos mais stressantes para o desempenho, os gráficos mantêm-se claros e definidos, sem perda de qualidade – falo, por exemplo, de situações onde temos 20 adversários a atacar ao mesmo tempo. Para além disso, é um festim para os olhos ver a forma como Batman interage de forma tão precisa com o que o rodeia, nunca perdendo a sensação de que os movimentos pertencem a um protótipo bastante aproximado de um corpo humano real.
Por outro lado, explodir com outros tanques é bastante gratificante, graças à vivacidade das faíscas que cada bólide solta com o impacto. Contudo, nada descreve com maior precisão a beleza intrínseca de Batman: Arkham Knight, como planar sob a cidade. A água da chuva, a escorregar pela capa, mutável a cada corrente de ar, deixa qualquer um maravilhado e completamente apaixonado pelo mundo criado pela Rocksteady.
Banda-Sonora
Sou um apaixonado por bandas-sonoras. Para terem uma noção, sou o tipo que tem colectâneas de bandas-sonoras de Westerns e dos filmes do Tarantino.
Portanto, quando vi que Nick Arundel iria regressar para este jogo, fiquei feliz. Afinal, tem sido o grande obreiro do tapete sonoro dos diversos jogos da saga Arkham. Contudo, devo dizer que o resultado não surpreende ninguém.
Cumpre os requisitos sonoros associados a um jogo de acção. Muitos graves, uma batida recorrente, os registos das cordas nos momentos mais stressantes e épicos. Nada que não estivesse facilmente associado a um qualquer filme de acção Hollywoodesco.
Mas falta aqui algo. Falta um tema que aprisione o jogador à narrativa e às personagens. Um pouco como o tema de Joker no segundo filme da trilogia de Nolan, The Dark Knight. Contudo, não é má. Simplesmente esperava mais.
Jogabilidade
A Rocksteady esmerou-se à séria neste Arkham Knight. O sistema de combate está altamente fluido, com dezenas de combos, golpes e contra-golpes. Os gadgets têm aqui um papel preponderante, desde os clássicos Batarangs, até a um sistema de hacking remoto, um disruptor, uma pistola de choques eléctricos ou gel explosivo.
Todos servem em combate, seja qual for a abordagem. As missões também possuem uma variedade de escolhas muito interessante. O seu objectivo não muda – neutralizar um número de inimigos de uma área, avançar, puzzle, neutralizar mais uns, confrontar vilão, cut-scene.
A forma como o podemos fazer é que está muito bem conseguida. Seja através de golpes silenciosos, seja a pendurar inimigos a partir de colunas, seja a disparar armadilhas hackeando os sistemas, seja a apanhar os capangas de surpresa nas condutas. Temos mais ferramentas disponíveis através de uma cadeia de level-up e upgrades disponibilizados por Lucius Fox do que realmente precisamos, o que no fundo acaba por espelhar na perfeição a experiência de ser Bruce Wayne.
Contudo, nada ganha mais destaque do que a aparição do BatMobile – A grande novidade de Batman: Arkham Knight. Os fãs do Homem-Morcego sabem, de gingeira, a quantidade absurda de características que o carro tem ao longo da história da personagem, mas neste jogo, serve, praticamente, para tudo. E quando falamos em tudo, falamos em, sem exagero, quase 50% do jogo dentro do carro.
Ou é porque estamos a resolver charadas do Riddler, ou porque estamos a perseguir Firefly pelas ruas de Gotham, ou porque estamos em combate com as forças de Arkham Knight, ou porque estamos a desarmar bombas, a abrir portas, a explodir com armas. Por um lado, acrescenta muito à caracterização de Batman, inseparável do seu bólide. Por outro, acaba por tornar o jogo extremamente repetitivo e dependente desta ferramenta. O balanço podia – e devia – ser melhor.
Por outro lado, as secções de investigação estão muito, muito interessantes, e talvez pudessem ter tido um grau extra de dificuldade e variedade. No entanto, merecem referência pela sua criatividade.
Diversão
Apesar de ser muito aborrecido estar sempre a ter que andar no BatMobile, apesar de ser bastante frustrante não ter um rapport mais desenvolvido sobre os vilões secundários do jogo – e mesmo o principal -, apesar da banda-sonora não ser a mais bem-conseguida de sempre, Batman: Arkham Knight é o melhor de todos num aspecto.
Jogar este jogo é a experiência definitiva de Batman. Não existe outro jogo que nos coloque, tão perto, da sensação de calçar as botas de Bruce Wayne. Admito, sou fã de comics no geral e no particular gosto mesmo muito do Homem-Aranha. É absolutamente lastimável não existir uma experiência deste nível para a minha personagem favorita.
Portanto, para todos os fãs do Homem-Morcego, ou apenas de super-heróis no geral, estejam descansados. A diversão e imersão está mais que garantida!
Conclusão
Em suma, é este jogo uma boa aquisição? É. É este jogo o melhor de super-heróis de sempre? Provavelmente, a par com Arkham City. É este um dos melhores jogos do ano? Sim. Mas é o melhor? Não. Na minha opinião, a questão da narrativa fraca e o exagero de exploração do BatMobile impedem Batman: Arkham Knight, de estar ao nível, por exemplo, de Witcher 3. Porém, recomendo vivamente que lhe dêem uma chance. Garanto-vos que, no momento em que estiverem a planar sobre Gotham City, em direcção ao vosso próximo destino, depois de terem despachado um sem número de vilões à vossa maneira, pensarão, nem que seja só por segundos, se realmente são Batman ou não.
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