
No interior do Sol, uma fornalha funde pares de prótons (protões), transformando-os em átomos de hélio, processo responsável por 99% da energia do astro e, portanto, razão pela qual ele brilha. A fusão de prótons resulta na liberação de uma partícula bastante esquiva, o neutrino, do qual um experimento recentemente obteve evidências diretas, validando a teoria atualmente aceita de funcionamento da fusão estelar.
O núcleo quente e denso do Sol, bem como o de estrelas de massa similar, comprime dois prótons a ponto de uni-los sob a forma de deutério, isótopo do hidrogênio cujo núcleo atômico é constituído por um próton e um nêutron (neutrão). A transformação de um dos prótons iniciais em nêutron ocasiona a liberação de um neutrino e um pósitron/positrão (que rapidamente desaparece em contato com sua contraparte física, o elétron).
Os neutrinos criados raramente interagem com a matéria, escapando da estrela em direção ao espaço. Estima-se que, de fato, cada centímetro quadrado do nosso planeta seja bombardeado por 100 bilhões de neutrinos a cada segundo, porém, a detecção dos neutrinos de energia relativamente baixa, ou “pp”, como são considerados aqueles gerados em fusões próton-próton, ainda não havia sido conseguida, o que se refletia em uma lacuna no conhecimento da ciência a respeito desse tipo de fusão — muito embora outros neutrinos solares, os de energia relativamente alta, venham sendo captados por experimentos desde a década de 1960.
Eis que, finalmente, pesquisadores trabalhando no Laboratório Nacional Gran Sasso, no subsolo italiano, detectaram neutrinos pp.
O experimento responsável pela descoberta, um vasilhame de nylon denominado Borexino, se localiza a mais de um quilômetro abaixo da superfície e é composto por um líquido que emite luz quando seus átomos interagem com neutrinos, evento que resulta na liberação de um elétron. O detector líquido é revestido por centenas de toneladas de uma outra substância líquida, esta capaz de isolar o detector dos sinais de radioatividade emitidos pelos próprios sensores luminosos que capturam a reação que ocorre quando da rara colisão entre neutrinos e elétrons.
[Leia também: Partículas de alta energia detectadas por experimento antártico]
Para a validação da detecção, publicada em artigo na edição de 28 de agosto da Nature, Andrea Pocar, física da Universidade de Massachusetts em Amherst e autora líder da dissertação, e sua equipe da colaboração Borexino tiveram que registrar anos de informações luminosas e subtrair delas eventuais desintegrações (ou decaimentos) radioativas simultâneas dos isótopos de carbono-14 presentes no líquido de detecção, que podem deturpar as observações, uma vez que produzem sinal luminoso igual ao gerado na interação entre os átomos e os neutrinos.
Além de confirmarem o modo como 90% das estrelas da Via Láctea gera a maior parte da sua energia, os achados do Borexino podem nos levar a modelos que expliquem determinadas variações dos neutrinos, como a sua transformação em diferentes “sabores”, ou espécies de partículas elementares com propriedades específicas.
Os neutrinos produzidos pela fusão nuclear no Sol vêm no sabor elétron, mas podem oscilar e se transformar em neutrinos do múon (muão) ou do tau, cada um com massa ligeiramente diferente. Ademais, a interação com a matéria pode alterar as taxas de oscilação dos neutrinos, portanto, descobrir como a matéria afeta estas partículas pode nos dar pistas quanto à sua massa, fator que ainda não consta do Modelo Padrão da física, teoria que descreve as interações fundamentais entre as partículas que compõem a matéria.
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