Já imaginou que um jogo virtual pudesse contribuir para o conhecimento científico a respeito da visão animal? Pois quem jogou o EyeWire fez a diferença e ajudou cientistas do MIT a identificarem um possível mecanismo por trás da detecção visual dos movimentos.
No EyeWire, os jogadores são desafiados a reconstruir as ramificações de um neurônio em três dimensões. Então, um software de inteligência artificial, desenvolvido por uma equipe do Instituto de Tecnologia do Massachusetts (MIT), transforma esse quebra-cabeça 3D em segmentos volumétricos de neurônios e suas conexões. A partir dos dados fornecidos pelos jogadores, foi possível estabelecer as conexões nervosas da retina de um camundongo e inferir que pares de neurônios posicionados em uma dada direção podem fazer com que um terceiro neurônio responda, enviando ao cérebro informações de objetos em movimento naquela direção.
Há muito se sabe que a luz que adentra os olhos atinge os neurônios fotorreceptores (células localizadas na retina), que transferem ao cérebro a responsabilidade de interpretá-la. No entanto, parte dos dados é interpretada ainda na retina, especialmente a que diz respeito à noção de movimento. A nova descoberta — a primeira propiciada pelo EyeWire — vem preencher a lacuna no conhecimento sobre exatamente como a retina pode realizar essa interpretação de movimento, uma vez que fotorreceptores individuais, por si sós, não captam a noção de movimento, mas havia a possibilidade de que a rede de conexões formada por diferentes neurônios seria capaz de fornecer tal interpretação.
Transmita-me a luz
Os fotorreceptores da retina convertem os dados luminosos em impulsos elétricos, transmitidos para camadas mais profundas da própria retina, onde estão os neurônios bipolares, que se ramificam em apenas duas e opostas direções partindo do corpo celular. Transmitidas pelas células bipolares em outro formato, as informações chegam às células amácrinas, cujos dendritos se espalham, em todas as direções, na camada da retina que ocupam. As células amácrinas, por sua vez, descarregam sinais nas células ganglionares da retina, de onde as informações passam pelo nervo óptico e atingem o cérebro.
Em artigo publicado na revista Nature, o neurocientista Jinseop Kim e seus colaboradores relatam ter analisado imagens do modelo da retina de um camundongo reconstruído pelos jogadores do EyeWire. O que os participantes fizeram, na realidade, foi traçar as conexões entre as camadas da retina, a fim de que se obtivesse desta um diagrama estrutural preciso e em alta resolução. (O processo de reconstrução pelos jogadores se encontra exemplificado pelo vídeo acima, no qual as células bipolares estão marcadas pelas cores amarela e azul, enquanto a célula amácrina está colorida em verde-limão.)
A análise realizada demonstrou que tipos distintos de células bipolares formam sinapses com partes distintas das células amácrinas: as de “tipo 2”, por exemplo, conectam-se a dendritos próximos do corpo celular da célula amácrina, enquanto as do “tipo 3a” formam sinapses com regiões dendríticas mais distantes de tal corpo, como mostra a figura ao lado. Além disso, um estudo recente concluiu que as células tipo 2 levam mais tempo para entregar seus sinais à célula amácrima, ao passo que as do outro tipo as transmitem imediatamente.
O atraso verificado nas células tipo 2 faz com que os sinais captados por duas regiões próximas da retina em momentos ligeiramente diferentes — a sorte de interação que naturalmente ocorre quando um objeto se move pelo campo visual — cheguem ao mesmo filamento da célula amácrina simultaneamente. De acordo com os autores, a célula amácrina só direciona impulsos nervosos adiante no nervo óptico quando recebe a informação conjunta, indicando que algo está se movendo na direção daquele seu mesmo filamento; estímulos que não se movem na direção do filamento produzem impulsos que atingem a amácrina em instantes diferentes, de forma que esta não dispara.
O pesquisador do MIT Sebastian Seung, autor sênior do estudo, afirma que experimentos de outras equipes podem comprovar que o sistema funciona como o proposto por seu modelo, o que agora estaria à cargo dos fisiologistas: “[e]les podem testar a hipótese facilmente”, diz. Botond Roska, neurocientista do Friedrich Miescher Institute for Biomedical Research na Basileia, Suíça, concorda. Segundo ele, a ideia “será seguida por pesquisas de muitos laboratórios”, com o objetivo de testá-la.
Seung conclui que o diagrama criado com o auxílio dos jogadores representa uma pequena parte do montante de conexões da retina, e acrescenta que outros neurônios provavelmente estão envolvidos no sistema de detecção de movimentos.
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