Apesar dos protestos, o presidente Yoweri Musevani (acima) sancionou uma lei que sustenta penas severas para o comportamento homossexual. Crédito: James Akena/Reuters
O presidente de Uganda sancionou, no dia 24 de fevereiro, um projeto de lei que prevê duras penas para o comportamento homossexual, chegando ao mecanismo da prisão perpétua.
A lei assinada pelo presidente Yoweri Museveni entra em vigor em um momento de tensão para a comunidade gay do continente africano. Há cerca de um mês, o presidente da Nigéria já havia sancionado uma lei anti-gay, fato que aumentou o número de casos de violência contra os homossexuais daquele país. Museveni alega ter sido convencido por um comitê consultivo, formado por cientistas, de que a homossexualidade não tem fundamentos comprovadamente genéticos e pode, portanto, ser “aprendida e desaprendida”, para a revolta dos pesquisadores envolvidos na formulação do documento.
Organizações internacionais e governos de outros países se opõem à promulgação da legislação. Em um comunicado, a Comissão Internacional de Direitos Humanos de Gays e Lésbicas disse:
(inserir html quote)”A experiência de outras jurisdições com leis similarmente draconianas, tais como Nigéria e Rússia, indica que sua implementação é frequentemente seguida por um surto de violência contra indivíduos que se presume serem lésbicas, gays, bissexuais ou transgêneros.”
De acordo com a lei ugandense, atos “com agravo” — definidos como a prática repetida de sexo gay consensual entre dois adultos e a prática de atos homossexuais envolvendo menores de idade, deficientes e pessoas portadoras do HIV — são puníveis com a prisão perpétua. Também ficam proibidas a “promoção” e “tentativa” de homossexualidade, respectivamente, a disseminação de material pornográfico ou financiamento de grupos de direitos homossexuais e tocar uma pessoa com a intenção de “cometer atos de homossexualidade”, informou o jornal Folha de S. Paulo. O texto inicial da lei incluía a pena de morte para alguns casos, mas este trecho foi removido após críticas internacionais.
O secretário de Estado dos Estados Unidos, John Kerry, confirmou que o país fará uma “revisão interna” das suas relações com o governo de Uganda, inclusive as referentes aos programas de assistência financeira, posição reiterada pelo presidente Barack Obama. Por sua vez, o Banco Mundial postergou a concessão de um empréstimo ao sistema de saúde da nação africana, no valor de US$ 90 milhões, segundo o porta-voz David Theis, para garantir que “os objetivos de desenvolvimento não seriam afetados adversamente pela promulgação desta lei”.
Museveni acusou “grupos ocidentais arrogantes e negligentes” de tentarem recrutar as crianças ugandenses para a homossexualidade através da prostituição, apesar de não ter identificado oficialmente estes supostos grupos. “Estamos desapontados há muito tempo com a conduta do oeste. Agora há uma tentativa de imperialismo social”, declarou o presidente.
Manipulação de resultados
Antes de assinar a lei, Museveni pediu a um grupo de cientistas do Ministério da Saúde e da Universidade Makerere em Kampala, capital de Uganda, que organizasse um relatório capaz de responder se (i) existe uma base genética/científica para a homossexualidade, e se (ii) a homossexualidade pode ser aprendida e desaprendida. O relatório ao qual o presidente e a alta cúpula do NRM (partido político do atual presidente) tiveram acesso, intitulado “Scientific Statement on Homosexuality” pode ser lido (em inglês) aqui.
A porta-voz do NRM, Evelyn Anite, comunicou à imprensa que, após ouvir os cientistas, o presidente exigiu suas assinaturas na dissertação, pois ela seria “um documento histórico” na formação das bases necessárias à ratificação do projeto de lei. Inconformados, os cientistas responsáveis pelo trabalho dão sua versão do ocorrido.
“Eles citaram nosso trabalho erroneamente”, afirmou Paul Bangirana, psicólogo da Universidade Makerere e membro da equipe de especialistas, ao portal online da revista Science. “O relatório não afirma em lugar algum que a homossexualidade não é genética, e nós não dissemos que ela pode ser desaprendida”, completa. Dois dos onze membros do comitê consultivo pediram demissão de seus postos em repúdio à utilização do relatório para a criação da legislação.
Dentre as proposições do referido trabalho, destaca-se que a “expressão sexual é função da biologia, psicologia, sociologia e antropologia”, esta última incluindo influências culturais e religiosas. Adiante, “todas as funções sexuais são determinadas por genes e as interações deles com o ambiente”. Portanto, as causas da homossexualidade podem ser fatores “biológicos, sociais, ambientais, psicológicos, ou uma combinação deles”.
O relatório reconhece não haver a atual ciência identificado um gene unicamente responsável pelo comportamento homossexual, mas abraça a hipótese de que este não é uma doença. Ademais, “[g]eneticamente, a homossexualidade representa uma das variantes de ‘orientação sexual’ possível na mesma espécie. Como é no caso de muitas variantes comportamentais humanas, a evolução e emergência da autoidentificação de alguém como ‘homossexual’” deve ser governada por características inatas e adquiridas.
Dean Hamer, geneticista (citado pelo estudo ugandense) que descobriu as primeiras evidências de que a homossexualidade provavelmente possui algumas causas genéticas, garante que o relatório ugandense está em conformidade com a ciência da orientação sexual.
Embora os pesquisadores tenham concluído que a homossexualidade não é uma doença, tampouco uma anormalidade, a convenção partidária do NRM interpretou que ela “não é uma doença, mas meramente um comportamento anormal que pode ser aprendido através de experiências de vida”
Em entrevista ao African Centre for Media Excellence, Bangirana revelou estar pessoalmente desapontado:
(inserir html quote)”Nós não dissemos que a homossexualidade é uma anormalidade. Afirmamos categoricamente que ela não é uma anormalidade. Também relatamos que pode haver uma base biológica para o comportamento, mas não há uma ligação conclusiva, por enquanto. Eles [da convenção partidária] deixaram de fora alguns fatos vitais no nosso relatório.”
O Dr. Bangirana diz que é compreensível que algumas reportagens veiculadas pela mídia tenham sido produzidas por jornalistas que não tinham o relatório em mãos, “[m]as se tinham o relatório, eles têm a responsabilidade de informar a nação com base em relatórios factuais”.
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