Era outono no Velho Continente e o gélido vento norte assobiava lá fora. A noite caía cada vez mais cedo naquela altura do ano e a menina vinda dos trópicos refugiava-se o quanto antes no abrigo do seu pequeno castelo. Dada aos amores torrenciais, trazia versos de cordel tatuados na pele, uma espécie de aviso que desenhara em si mesma, para que o destino não falhasse ao tracejar os seus passos neste mundo: “A minha pele é de Carnaval_O meu coração é igual“.
As cores que gostava de sentir antes de dormir estavam contidas nas riscas do seu pijama, a contrastar com outros tantos padrões e paletas de cores, tudo feito para velha matriarca – a sua mãe. Era um modo de transcender, estar mais próxima da sua gente e do ninho primeiro.
[…]
Consta que gosta de dançar ao som de tambores enlouquecidos e de ter ao seu redor gente amistosa – “Quanto mais, melhor!” era a pequena oração que fazia aos deuses antes de se deixar levar para os domínios de Morpheus. E havia sempre boa gente em sua órbita. Mas era ao chegar em casa que se apercebia de que o sorriso, que usualmente encanta os que ousam se aproximar da menina, costumava ficar perdido pelo caminho. Ela sabia que ao chegar em casa estaria só outra vez. E sempre teve medo da solidão. Não do escuro, mas do frio da solidão! Bicho feito para viver em matilha, não sabia ser só. E cada vez mais temia a triste dança da solidão, inexorável companheira responsável por embalar o seu sono, dia sim, outro também.
– “Amor, não tardes a chegar. É na minha insônia que dormes. Mas é também em ti o meu acordar.”, escreveu a menina no pequenino livro de anotações que por norma dormitava na sua mesa de cabeceira.
Pobre menina que mesmo marcada pelos desgostos da vida, ainda esperava no amor. [Esperança!] Chorou enquanto escrevia aquela sua prece noturna, o seu pedido de socorro enviado aos deuses. Já não queria mais ser só. Já não suportava carregar o peso da decisões solitárias. Tinha vontade de dizer coisas, contar segredos, rasgar o peito e expor a alma. Não eram os riscos que a faziam chorar: era o SER só que lhe metia medo. Cada célula do seu corpo indicava o caminho e ela não temia nem por um instante seguir as instruções que vinham do peito. Convicta, almejava amor. Era o azedume de não ter por quem se arriscar que lhe aterrorizava.
O choro borrara os seus escritos noturnos. E soube de imediato que choraria até adormecer.
[…]
Mas antes da última lágrima noturna, segredou ao travesseiro, velho companheiro das noites mal dormidas que, cansada de ser rochedo, já só desejava ser água. Era da sua natureza sofrer sempre com as dores reais e a gélida previsibilidade das coisas. As mazelas imaginárias ela suportava com maestria, pobre menina encantadora de sonhos.
E foi no sossego dos sonhos que adormecera, finalmente, a alma.
CAssis, a Menina Digital
Comentários