Vale tudo na luta pelo pódio
O silêncio é o das grandes ocasiões e a rua deserta está coberta do laranja lançado pelo sol no ocaso. Ouvem-se passos, calmos e cadenciados, das janelas semi-fechadas espreitam olhos assustados. Duas figuras param em cada extremo da rua, olham-se fixamente e não se permitem mexer nem um músculo. Estudam-se mutuamente e, sem nunca desviar o olhar, preparam as armas.
Como nos bons westerns, estas personagens têm vários matizes, não há um herói nem nenhum vilão. Ambos são capazes do melhor e do pior. Num duelo que começou em abril, Apple e Samsung defrontam-se na justiça.
A batalha que se trava na justiça entre a Apple e Samsung pode ser decisiva para o futuro das duas empresas. Em causa está o domínio do mercado dos tablets e dos smartphones de topo de gama e as armas que estão a ser dirimidas são alegadas violações de patentes por parte das duas companhias.
Para os mais desatentos, a batalha judicial que está a decorrer em praticamente todos os continentes é o corolário lógico das relações difíceis entre duas empresas. Mas a verdade é que a companhia sul-coreana é um dos principais fornecedores de componentes para a empresa americana.
A aposta no mercado mobil
O que mudou então este ano que levou estes dois gigantes para a barra dos tribunais? Muito simplesmente, a Samsung fez uma reorientação do seu core business e resolveu apostar em grande nos dispositivos móveis e fê-lo com assinalável sucesso.
Quem, como nós, esteve no início do ano em Barcelona no Mobile World Congress, pôde testemunhar a força da aposta da marca coreana. A Samsung sabia que tinha fabricado um smartphone que explorava ao máximo as potencialidades da versão Gingerbread do sistema Android e fez do seu espaço o mais procurado pelos visitantes.
O tempo veio a dar razão à empresa e quando o Galaxy SII chegou ao mercado tornou-se rapidamente um sucesso de vendas global, catapultando a Samsung para o primeiro lugar dos fabricantes de smartphones.
Jogada de enganos
Além do mais, os engenheiros da Samsung não andavam a dormir e preparavam uma resposta à altura para o iPad. A primeira geração do Galaxy Tab estava a demorar demasiado a chegar ao mercado e a empresa sul-coreana já tinha uma noção muito precisa de que precisaria de muito mais para combate o iPad2 que estava a caminho. Não nos esqueçamos que o display da segunda versão do tablet da Apple foi construído nas fábricas coreanas.
Quando Steve Jobs mostrou ao mundo o iPad2 as reações foram entusiásticas: a empresa de Cupertino tinha voltado a ultrapassar-se e a reinventar uma categoria de produtos que tinha criado.
Numa jogada de enganos, a Samsung parecia ter atirado a toalha ao tapete. Um dos seus responsáveis chegou mesmo a dizer que face ao iPad2 a empresa tinha de parar para pensar.
Uma afirmação que tinha por único objetivo baixar as expetativas para logo de seguida surpreender o mundo tecnológico: menos de um mês depois do lançamento do iPad2, a Samsung mostrava ao mundo a nova geração dos Galaxy Tab: mais finos do que o concorrente e com todas as armas para combater de igual para igual com o iPad2.
Pela primeira vez, a Apple sabia que tinha verdadeiramente um concorrente à altura e ainda por cima de uma marca que estava a afirmar-se como um fabricante de dispositivos de qualidade, a conquistar uma quota de mercado significativa e a criar um sentimento de pertença entre os consumidores.
O contra-ataque
E o contra-ataque não se fez esperar, mas como o ciclo de vida dos produtos da companhia norte-americana não se tinha esgotado a estratégia agora passou não por se adiantar novamente à concorrência, mas por tentar impedir as vendas de dois aparelhos que prometem conquistar os corações dos consumidores.
O recurso aos tribunais foi a arma utilizada pela Apple, abrindo processos contra a Samsung por violação de patentes, considerando que o smartphone e o tablet sul-coreanos eram iguais ao iPhone e ao iPad, e tentando mesmo impedir a venda do tablet em vários mercados.
Apesar de as primeiras decisões não lhe serem favoráveis, com a aceitação dos processos em tribunais europeus e australianos, a Samsung não virou a cara à luta e respondeu com as mesmas armas tentando impedir a venda do novo iPhone 4S em vários mercados europeus.
A questão da violação de patentes não é fácil de ser dirimida na justiça e mais do que provar a semelhança entre os vários produtos, as companhias terão de provar de forma inequívoca serem as detentoras das patentes originais, um problema acrescido para a Apple que é conhecida por pegar em produtos com potencialidades e reinventá-los.
A Apple domina de forma absoluta o mercado dos tablets, tendo todos aqueles produtos que foram apelidados de iPad killers sucumbido sem honra nem glória. Neste momento, apenas o Samsung Galaxy Tab e o Amazon Fire parecem ter potencialidades para marcarem posição num mercado que a Apple criou e controla.
Já nos smartphones de topo a luta é mais renhida. Com a linha Galaxy, a Samsung criou aparelhos que levaram o conceito para outros patamares e que, ainda por cima, foram bem recebidos pelos consumidores a nível mundial. Mas a Apple continua a dar cartas e apesar da desconfiança inicial, o iPhone 4S vende como nunca um smartphone da Apple o tinha conseguido. Mas neste caso, a luta não é pelo domínio total, mas sim por uma quota de mercado significativa.
Com a Nokia momentaneamente de fora e com a HTC a navegar em águas tranquilas, Apple e Samsung debatem-se pelo primeiro lugar no pódio das marcas de referência nos dispositivos mobile.
A luta trava-se fundamentalmente nos bancos dos tribunais. Mas os consumidores desejam fortemente que o campo de batalha se mude definitivamente para o das inovações surpreendentes e disruptivas.
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